CONTA COMIGO (STAND BY ME – 1986)
"Nunca mais tive amigos iguais aos que tinha aos doze
anos. Jesus, será que alguém tem?"
Há vinte e oito anos era lançado nos cinemas, sob a direção
de um então novato Rob Reiner ( também diretor de Harry e Sally, Fantasmas do
Mississippi e Antes de Partir) o filme Stand By Me, com roteiro adaptado do
conto "O Corpo", retirado do livro "As Quatro Estações" do
escritor Stephen King, cuja história é também a sua obra mais pessoal: tudo
remete claramente a uma fase de sua vida; seu irmão morto em um acidente de
carro, o fato de o personagem principal ser um escritor famoso quando velho e
diversas outras metalinguagens pessoais.
O filme conta a estória de Gordie Lachance (Richard Dreyfuss
– Will Wheaton), um escritor, que recorda quando tinha entre doze e treze anos
no verão de 1959, quando vivia em Castle Rock, Oregon, uma localidade com 1281
habitantes que para ele era o mundo inteiro. Gordie tinha três amigos
inseparáveis: Chris Chambers (River Phoenix), Teddy Duchamp (Corey Feldman) e
Vern Tessio (Jerry O'Connell). Chris era o líder natural deste pequeno grupo,
mas a família dele não era boa e todo mundo sabia que ele ia se dar mal na
vida, inclusive ele. Teddy era emocionalmente perturbado, pois o pai tinha
acessos de loucura, inclusive chegou a colocar a orelha de Ted no forno. Vern
era o mais infantil do grupo, quem os outros adoravam tirar sarro. Tentando
achar um vidro cheio de moedas que tinha enterrado, Vern ouviu por acaso seu
irmão e um amigo falando onde estava o corpo de um garoto – Ray Brower - que
tinha ido colher amoras há três dias e nunca mais tinha sido visto. Os garotos
queriam achar o corpo, pois vislumbravam a possibilidade de se tornarem heróis.
Cada um deu uma desculpa em casa e partiram para tentar encontrar o corpo.
Nenhum deles tinha idéia que esta viagem se transformaria em uma jornada de
autodescoberta que os marcaria para sempre.
O filme é uma grande jornada de aprendizado, mas a
ênfase fica na aventura - a aventura da amizade sobretudo- e em tudo o que para
esses jovens é descoberta do mundo. Com um roteiro simples, dialogos
articulados e cenas muito bem trabalhadas e produzidas o filme consegue
transmitir todas as principais lições de vida do livro de Stephen
King. Uma das provas disso é que o filme se passa em 1959, mas sua
mensagem pode ser captada por qualquer um que tenha tido uma boa infância e
sabe da saudade que bate de cada coisa que fizemos nessa fase tão especial de
nossas vidas. Rob Reiner consegue ir além de colocar o telespectador como
mero observador: Involutaria e naturalmente, ao longo dos acontecimentos, questionamos
diversos pontos de nossas vidas através do olhar ingênuo e sincero dos
personagens, e, de maneira autentica e poética, submergimos numa
fantasia aparentemente comum, mas que marcou como uma enorme aventura cheia de
ação e suspense num mundo que fazia total sentido para nós. E mesmo sendo um
drama com uma melancolia dedilhada, o filme se mantém em uma linha tênue de
sensibilidade, onde os personagens caminham cuidadosamente dentro do perfil
traçado originalmente pelo escritor e ao mesmo tempo, conseguem desenvolver-se
com muita liberdade na caracterização do personagem de maneira visual.
O filme consegue ser tocante no ponto certo desde a sua cena
inicial, quando Gordie, agora adulto, lê em seu carro a notícia sobre a morte
do “famoso advogado” Chris Chambers, seu grande amigo de infância, e se
emociona ao ver dois garotos andando de bicicleta, fazendo com que todas às
suas lembranças da juventude voltem à sua cabeça em um fluxo de consciência.
Isso não acontece conosco? Ás vezes nossas vidas andam tão cheias, que
esquecemos o quanto é bom relembrarmos os bons momentos de nossas vidas.
Dentro desse ponto, somos atirados à memória de Gordie em
sua conturbada infância. Mesmo com a falta de perspectivas quase que geral em
relação à Gordie e seus amigos, juntos, eles eram felizes como adulto nenhum é.
O filme mostra com eficiência o quanto é pura a amizade entre os jovens,
marcada por inocência e sinceridade, que todos sabem que um dia irão se
extinguir. Da mesma forma que as amizades de infância ficam marcadas, mas são
muito difíceis de serem cultivadas até a idade adulta. Gordie, Chris, Teddy e
Vern, mesmo com personalidades completamente diferentes, eles eram almas que se
completavam. As interpretações, distintas e complexas, se mostram incrivelmente
coesas dentro da história, cativando o observador. È impossível não se
identificar com pelo menos um dos quatro garotos do filme, que por sinal, são
interpretados com maestria pelos jovens astros. A química demonstrada entre
eles é tão verdadeira, que parece que eles realmente são amigos de longa data.
A aventura de ir em busca de um corpo não encontrado pela
polícia e a possibilidade de encontrá-lo e se tornarem heróis, é a
representação dos sonhos de qualquer jovem de querer aparecer, de poder tudo.
Algo semelhante a um aluno com fama de burro responder a uma pergunta difícil
na sala de aula, em frente a todos. O jovem sente a necessidade de viver com
emoção cada momento da vida, antes que seja tarde demais. Agindo da forma que
lhes convém e achando que assim adquirem superioridade e independência, sentem
todo o poder ao invadir um local proibido ou simplesmente fumar um cigarro. O
filme mostra com delicadeza todas essas sensações de ser jovem.
Há um ponto interessante a ser aprendida, de ressaltar
o espírito de ser criança que pode ser uma importantíssima lição para os jovens
precoces de hoje, quando um dos personagens faz uma linda menção ao fato de ser
criança, já que ele “vai viver apenas uma vez essa fase em sua vida”. E é isso
mesmo, fazer coisas simples, com pouco dinheiro, mas que rendam
milhares e milhares de histórias e saudades no futuro. Um dos grandes trunfos
do filme é nos fazer sentir saudade de quando éramos crianças, de quando não
tínhamos preocupações e como era gostoso simplesmente descobrir tudo,
exatamente como seus personagens na história.
Contrastando com esse espírito de ser jovem e aproveitar
cada momento dessa fase há a personificação de uma geração: no começo do filme,
somos apresentados aos personagens enquanto eles fumam, jogam baralho e falam sobre
coisas de gente grande. A pressa em crescer sempre foi uma das características
dos jovens, mas ao traçar esse paralelismo, o filme ganha força principalmente
ao provar a ingenuidade dos garotos no final, quando eles encontram o corpo
(não estou estragando nenhuma surpresa, afinal, uma das primeiras frases do
filme diz que eles realmente encontraram o corpo).
O diretor e os roteiristas conseguiram imprimir nos
personagens dentro da história, a pureza e honestidade necessária para
demonstrar que a aventura em busca de um corpo que, inicialmente, era um
caminho para a fama, mostrando-se um caminho complexo, divertido e emocionate
de autoconhecimento e maturidade. Esse é um ponto importantíssimo –
não há a esperada consagração dos personagens, mas sim uma violenta
sequencia para a realidade, para a morte, para a sensação de estarmos vivos e
testemunhando a história. É um crescimento forçado pela situação, cru
e real. Todos mudam com a experiência da viagem, principalmente nós, que
estamos assistindo-a.
A mensagem final é tão simples e honesta, tão
verdadeira e atual, que desmonta o espectador: A importância da amizade
geralmente só é encontrada quando essa deixa de existir. E encontrar amizades
sinceras, como as que temos quando jovens, fica cada vez mais difícil. Com uma
beleza sui generis, o filme nos brinda com lindas paisagens e, ao fim, vemos um
Gordie – agora adulto e escritor – lembrando-se com um amor genuíno o verão de
1959 e indagando a si mesmo, depois da morte de Chambers e do distanciamento
natural de Teddy e Vern: "Amigos entram e saem de nossas vidas como
pessoas que entram em um restaurante." E eles simplesmente se vão. A
ultima frase de Gordie nos toca profundamente: "Nunca mais tive
amigos iguais aos que tinha aos doze anos. Jesus, será que alguém
tem?" De fato, encontrar amizades sinceras é algo bastante improvável. Nem
toda amizade é eterna, principalmente as de infância que cicatrizam, mas são
difíceis de serem cultivadas até a fase adulta. Nenhum filme retratou de
forma tão gostosa como é época em que somos mais jovens, aprendendo a conhecer
o mundo e quanto ver as amizades nessa época são as mais verdadeiras.
Gostei André!!
ReplyDelete"Algo semelhante a um aluno com fama de burro responder a uma pergunta difícil na sala de aula, em frente a todos." kkkk Achei engraçada essa parte!
Fiquei com uma série de indagações na cabeça: como por exemplo, o que é que as crianças tem que torna a amizade delas mais sinceras do que dos adultos? Será porque a amizade dos adultos sempre esta voltada para interesses.. é uma questão.
P.s Fiquei com vontade de assistir! Maneire nos spoillers ( o do corpo foi spoiller sim, nem venha) kkk
Oi Vinicius...
ReplyDeleteTalvez devido a ingenuidade e confiança que temos quando crianças.
Mas to curioso, pode falar e perguntar a vontade.
Abs