O urso estava esperando as trutas
descerem rio abaixo, elas estavam previstas para chegar quando o sol
percorresse 3/4 do trajeto no céu, seriam centenas delas, um delicioso banquete
que só um ser imponente como ele poderia desfrutar. As trutas vieram e o urso
as pescava com enorme destreza; não deixava que elas escapulissem de suas
garras, e devorava-as sem piedade. Contudo, em pouco tempo, o sol desceu
montanha abaixo, foi se embora e com ele foram-se também as trutas; o urso
comeu sua ultima truta, suculenta e carnuda despertando as melhores sensações
que uma garganta poderia ter. As trutas não voltariam mais naquele dia, isso
causava certa indignação no urso, mas pelo menos ele sabia que elas voltariam
no dia seguinte; isto era um grande consolo. Elas sempre voltavam todas as
tardes, desde que o urso se lembrava; graças aos deuses que os antigos haviam
notado que as trutas sempre apareciam em certo horário do dia, agora ele podia
saber quando elas iam voltar, e isso o deixava mais seguro. Mas por causa das
trutas o grande urso nunca havia saído dos vales do norte, ele sabia que ali
teria seu precioso alimento diário rico em todos os tipos de vitaminas que ele
conhecia. De longe ele apenas avistava cadeias de montanhas ao sul, e uma luz
lilás que aparecia no céu todas as noites. Que luz bela, cheia de vida,
completa em sua magnificência, que luz seria aquela? Seriam os espíritos de
seus ancestrais? Ou quem sabe, um portal para outro mundo. Não saberia, pois
habitava a montanha da morte, e de lá não sairia; devorava a carne das trutas;
e as trutas devoravam-lhe a alma.
Até que numa certa tarde
ensolarada o pesado urso estava ansioso a esperar por mais uma edição de seu
esplendoroso banquete, quando os peixes não vieram. Algo muito estranho havia
acontecido no topo da montanha da morte para mudar o rumo natural das coisas; e
o grande mamífero precisava se preparar para uma nova vida, se habituar a um
novo lugar. Ele parou deprimido diante das águas a observar a correnteza forte
do rio que tanto o alimentou, mas agora o desamparava; o deixava completamente
perdido, sem destino, sem paradeiro, sem proteção. Pelos deuses, o que havia
feito para merecer isto? Da noite para o dia perderá tudo que era mais
importante para sua vida de urso. Em frente ao rio permaneceu imóvel durante
oito dias, até que a fome o castigou. Sentia pontadas fortes na boca do
estômago, precisava se alimentar urgentemente. Tomado por um profundo e
misterioso Insight o urso se levantou, com o olhar fixo no horizonte, bebeu um
pouco da água do rio e partiu rumo ao incerto.