Para o filósofo francês René Descartes todos os seres humanos possuem a
razão, o que difere é o seu uso. Descartes nasceu no século XVI, uma época em
que o conhecimento científico ainda se encontrava completamente desorganizado,
e não havia um método para construí-lo. As discussões filosóficas da época
giravam em torno de opiniões muito diversificadas que não chegavam a nenhuma
conclusão evidente. Os escolásticos dominavam os pensamentos e os preceitos com
os quais se buscava alcançar a verdade; preceitos estes, que surgiram de uma
releitura das obras de Aristóteles, ajustadas às verdades cristãs.
Foi neste contexto que Descartes foi educado, no colégio jesuíta de La Flèche , uma das escolas
mais renomadas da Europa naquele período. Quando concluiu seus estudos em La Fleche , Descartes
estava decepcionado, pois ao invés de ter adquirido conhecimentos verdadeiros
durante os anos de estudo, ele estava repleto de dúvidas. Para ele, o grande
proveito que tirou de seus anos de estudo foi o de descobrir sua própria
ignorância e a distância entre aquilo que era ensinado nas escolas e o
conhecimento verdadeiro. Motivado por esta frustração, Descartes desenvolve a
dúvida metódica, para alcançar algo sólido e evidente. Com este método ele
pretendeu colocar a prova da razão, tudo aquilo que é dubitável, para assim
alcançar algum conhecimento, e a partir dele desenvolver sua filosofia. Entretanto,
Descartes não pode ser considerado um cético absoluto, pois seu método da
dúvida, visava retirar a confiança dos preceitos estabelecidos, para posteriormente
alcançar a Verdade; já os céticos não acreditam na possibilidade de existir uma
verdade absoluta.
Desta forma, Descartes colocou em questão todo o conhecimento aceito na
época; ele aplicou o método da dúvida em diversos setores, inclusive em suas
experiências. Para ele tudo o que julgou verdadeiro até aquele momento foi
devido a sua experiência sensorial. Os sentidos, a principio, foram tomados por
Descartes como enganosos, pois nem sempre um objeto tem o tamanho ou as
propriedades que ele aparenta ter. Há ainda aqueles que acreditam serem reis
sendo mendigos. Como saberia ele se ele também não estava enganado a respeito
de sua auto-imagem? Durante um sonho, uma pessoa acredita firmemente se tratar
de um acontecimento real, mas ao acordar, ela percebe se tratar de um sonho.
Não se poderia supor que existe a chance de passarmos pelo mesmo processo de
ilusão durante a vida de vigília?
Em meio a esta nuvem de dúvidas, Descartes percebeu que, ao pensar, ele
poderia duvidar de praticamente tudo, menos de que ele estava pensando. Ele não
poderia duvidar que duvida. Deste pensamento nasceu sua primeira máxima: Penso,
logo existo. Cogito ergo sum. A
partir desta máxima conseguiu sair de sua dúvida absoluta, mas ainda permaneceu
preso ao cogito. Ele havia confirmado sua própria existência, mas isto era
insuficiente para a elaboração da Ciência Moderna. Ele precisava provar a
existência do mundo e das coisas que viriam a ser os objetos de estudo da
Ciência no futuro. Entretanto, um dos preceitos básicos do seu método era a
regra da evidência, na qual ele decide que irá aceitar em seus juízos somente
aquilo que se mostre de forma clara e distinta, ou seja, apenas irá aceitar
como conhecimento concreto aquilo que seja indubitável; aquilo que o enganou
pelo menos uma vez, passa a ser considerado por ele como enganador. Esta última ideia de que se ele se engana
alguma vez pode estar enganado sempre, fez com que Descartes, em suas
meditações, inventasse o deus enganador. O deus enganador foi o ápice da dúvida
cartesiana a cerca da credibilidade do mundo sensível. O deus enganador era a
suposição de que, havia um ser que dispunha todas as coisas de modo a fazer o
homem acreditar que as coisas são diferentes do que de fato elas são. Até as
verdades mais obvias da matemática ganhavam uma interrogação com este
argumento. O deus enganador, mais tarde chamado de gênio maligno, foi um enorme
problema que só pôde ser solucionado, através da prova da existência de Deus,
como ser perfeito, infinito e não-enganador.
A primeira observação de Descartes que conduzia a prova da existência de
Deus é a de que ele, Descartes, era um ser imperfeito e finito, mas nele
existia a ideia de perfeição e de infinito. A ideia de perfeição não poderia
ter surgido de um ser que está abaixo da hierarquia do ser perfeito, ou seja, a
ideia de perfeição não poderia ter surgido de um ser imperfeito. Descartes
considerava a si mesmo como imperfeito por ele duvidar. Se ele duvidava, é por
que não possuía o conhecimento total e verdadeiro, logo era imperfeito, e
devido a essa imperfeição, necessitava do método para conhecer a verdade das
coisas, ou seja, conhecer Deus.
Descartes provou a existência de Deus, através da própria noção de Deus,
que é a marca deixada pelo criador nos homens. Provada a existência de Deus,
Descartes pôde sair do cogito e assegurar a existência das coisas materiais,
uma vez que, Deus é perfeito e não-enganador. No entanto, Descartes persiste na ideia de que ele é a razão, aquilo pensa, sente ( Res cogitans) e isto é uma
substância de natureza diferente do corpo e da materialidade ( Res extensa).
Esta distinção entre o Cogito e o mundo feita por Descartes repercutiu em
impactos significativos que perduram até os dias de hoje. Através dela o homem
efetuou sua separação absoluta da natureza e pode desenvolver o método
cientifico, com impactos positivos e negativos. As outras regras do método
cartesiano: “dividir, analisar e enumerar” também influenciaram profundamente o
estilo de vida das pessoas, sobretudo na relação do homem com a natureza e com
as outras pessoas. Observa-se que Descartes valorizou a prova de sua existência,
ou seja, do cogito; e da existência de Deus, como garantia de que existem
outras coisas além dele. A existência do mundo através de Deus garantiu a
fundação da ciência moderna e de todas as suas descobertas e invenções. As
coisas se tornaram fatos a serem estudados, divididos e analisados. Descartes
não se preocupou em evidenciar a existência do “outro”. Na visão de mundo
originada de Descartes, o que existe são um conjunto de “cogitos”, cada qual
garantindo sua própria existência isolada dos demais e do mundo. O mundo é um
objeto, do qual deve-se buscar conhecer e extrair suas verdades. O observador e
o observado, foram separados como duas substâncias de natureza distinta. No
entanto a psicologia contemporânea e as neurociências vêm trazendo novas idéias
que poderão reformular esta visão de mundo. Os estudos recentes apontam para a
ideia de que quando um individuo olha para um objeto ele enxerga mais suas
próprias características do que características inerentes a natureza do objeto.
É uma releitura, do que já dizia Descartes, a respeito da falibilidade dos
sentidos.
É concedido a Descartes o titulo de “ pai da ciência moderna”. Graças a
seu método, a ciência pode fazer avanços inestimáveis e as tradições medievais foram
superadas. Como ele propôs, sua
filosofia se tornou as raízes da arvores do conhecimento; a física, durante
muito tempo foi o tronco; e as outras ciências foram os frutos.
No atual momento histórico o
ser humano alcançou todo este avanço nas ciências, mas a humanidade como um todo continua passando
por sofrimentos psíquicos, guerras, conflito, violência, preconceitos e uma
crise ecológica a nível global. Portanto, nos próximos anos, a ciência deverá
passar por uma reforma no modo de investigação da natureza. Deverá abandonar os
padrões individualistas, e se atentar para os problemas sociais, uma vez que
estes já não atingem mais apenas uma parcela da população, mas a população como
um todo; se é que um dia foi diferente.