É certo que desde tempos remotos os diversos conhecimentos adquiridos
pela humanidade são classificados de acordo com sua importância para os
indivíduos ou sociedades em que se localizam. Em sociedades primitivas, por
exemplo, um conhecimento correto e acurado sobre agricultura, sobre as estações
do ano e sobre o solo seria de muito maior valor do que um conhecimento sobre
linguística, por exemplo. Em geral, o valor dado a um certo conhecimento por um
indivíduo ou por uma sociedade é dado de acordo com a utilidade prática daquele
conhecimento e a necessidade ou não dele para sobrevivência e para o bem-estar
das pessoas locais. Com o advento da revolução científica que temos encarado
nos últimos séculos, vêm crescendo cada vez mais a importância de qualquer tipo
de conhecimento, pois o homem tem se enveredado nos mais misteriosos e
profundos caminhos da natureza, procurando descobrir mais sobre seu mundo e sobre
si mesmo. Parece-me, no entanto, que ainda persiste em nossa sociedade
ocidental uma “elitização” do conhecimento, por assim dizer: uma classificação
do valor dos conhecimentos de acordo com
as necessidades e desejos de uma minoria dominante.
Quais conhecimentos
deviam ser ensinados às crianças nas escolas, ou aos jovens nas universidades?
Com certeza, se seguirmos a lógica apresentada acima, deveria ser ensinado
aquilo que é mais essencial ou necessário a tais pessoas – e esta necessidade e
essencialidade variam muito de região em região, de povo em povo – mas é
bastante claro que o conhecimento transmitido nas escolas e universidades é
padronizado, escolhido por uma minoria dominante. Este conhecimento, em geral,
vêm para manter o status quo da sociedade, perpetuando um sistema de
desigualdades socioeconômicas por todo o mundo. Mas a necessidade de
conhecimento não é a mesma para todas as pessoas do mundo: para Totonha, no
texto de Marcelino Freire, o conhecimento do alfabeto não lhe era necessário; e
como dizer que é necessário para alguém que vive na roça e só precisa cuidar de
animais, que saiba realizar equações de segundo grau? Os conhecimentos
difundidos nas escolas e universidades têm grande valor e são necessários para
certas pessoas ou grupos, mas para outros são inúteis: é, portanto,
desvantajoso esta padronização do conhecimento difundido.
É aí que entra minha
fascinação em direção à iniciativa de Bunker Roy, o fundador da “Universidade
dos pés descalços”, na índia ( Cuja apresentação pode ser vista aqui http://www.youtube.com/watch?v=oC5FMJlD_EQ ) . A iniciativa por deselitizar o conhecimento,
desmistificando as concepções distorcidas que as pessoas que não tem interesse
ou acesso ao conhecimento elitizado possuem, é de grande importância. E como
ele faz isso? A universidade dos pés descalços trata de assuntos que interessam
ao povo local, e os ajuda a transmitir este conhecimento à outros povos em
condições semelhantes. Os assuntos tratados nessa universidade variam entre
cuidar de animais e construir placas de captação de energia solar, além de colocarem
em prática qualquer outra ideia que alunos possam ter. Lá não se dão
certificados e não se cobra assiduidade: o certificado de sua competência é a
própria utilidade do conhecimento adquirido. E os resultados são
surpreendentes: temos crianças de 6 a 14 anos realizando processos democráticos
complexos, iluminação de vilas inteiras com placas solares desenvolvidas pela
universidade, impermeabilização de telhados feita pelas mulheres da aldeia...
São inúmeros exemplos de conhecimentos úteis ao povo local, que os interessam,
que são difundidos ali. Esta é, portanto, uma maneira mais adequada de difusão
de conhecimento: não se busca, com este, alcançar um maior status social, mas
sim o conhecimento em si, e tudo que ele pode trazer de melhorias ao ser humano.
Talvez se uma iniciativa de tal natureza fosse tomada em nossa sociedade
ocidental, conseguiríamos fazer nossas crianças terem mais interesse nas
escolas...