Wednesday, May 23, 2012

O valor do conhecimento


            É certo que desde tempos remotos os diversos conhecimentos adquiridos pela humanidade são classificados de acordo com sua importância para os indivíduos ou sociedades em que se localizam. Em sociedades primitivas, por exemplo, um conhecimento correto e acurado sobre agricultura, sobre as estações do ano e sobre o solo seria de muito maior valor do que um conhecimento sobre linguística, por exemplo. Em geral, o valor dado a um certo conhecimento por um indivíduo ou por uma sociedade é dado de acordo com a utilidade prática daquele conhecimento e a necessidade ou não dele para sobrevivência e para o bem-estar das pessoas locais. Com o advento da revolução científica que temos encarado nos últimos séculos, vêm crescendo cada vez mais a importância de qualquer tipo de conhecimento, pois o homem tem se enveredado nos mais misteriosos e profundos caminhos da natureza, procurando descobrir mais sobre seu mundo e sobre si mesmo. Parece-me, no entanto, que ainda persiste em nossa sociedade ocidental uma “elitização” do conhecimento, por assim dizer: uma classificação do valor  dos conhecimentos de acordo com as necessidades e desejos de uma minoria dominante.
            Quais conhecimentos deviam ser ensinados às crianças nas escolas, ou aos jovens nas universidades? Com certeza, se seguirmos a lógica apresentada acima, deveria ser ensinado aquilo que é mais essencial ou necessário a tais pessoas – e esta necessidade e essencialidade variam muito de região em região, de povo em povo – mas é bastante claro que o conhecimento transmitido nas escolas e universidades é padronizado, escolhido por uma minoria dominante. Este conhecimento, em geral, vêm para manter o status quo da sociedade, perpetuando um sistema de desigualdades socioeconômicas por todo o mundo. Mas a necessidade de conhecimento não é a mesma para todas as pessoas do mundo: para Totonha, no texto de Marcelino Freire, o conhecimento do alfabeto não lhe era necessário; e como dizer que é necessário para alguém que vive na roça e só precisa cuidar de animais, que saiba realizar equações de segundo grau? Os conhecimentos difundidos nas escolas e universidades têm grande valor e são necessários para certas pessoas ou grupos, mas para outros são inúteis: é, portanto, desvantajoso esta padronização do conhecimento difundido.
            É aí que entra minha fascinação em direção à iniciativa de Bunker Roy, o fundador da “Universidade dos pés descalços”, na índia ( Cuja apresentação pode ser vista aqui http://www.youtube.com/watch?v=oC5FMJlD_EQ ) . A iniciativa por deselitizar o conhecimento, desmistificando as concepções distorcidas que as pessoas que não tem interesse ou acesso ao conhecimento elitizado possuem, é de grande importância. E como ele faz isso? A universidade dos pés descalços trata de assuntos que interessam ao povo local, e os ajuda a transmitir este conhecimento à outros povos em condições semelhantes. Os assuntos tratados nessa universidade variam entre cuidar de animais e construir placas de captação de energia solar, além de colocarem em prática qualquer outra ideia que alunos possam ter. Lá não se dão certificados e não se cobra assiduidade: o certificado de sua competência é a própria utilidade do conhecimento adquirido. E os resultados são surpreendentes: temos crianças de 6 a 14 anos realizando processos democráticos complexos, iluminação de vilas inteiras com placas solares desenvolvidas pela universidade, impermeabilização de telhados feita pelas mulheres da aldeia... São inúmeros exemplos de conhecimentos úteis ao povo local, que os interessam, que são difundidos ali. Esta é, portanto, uma maneira mais adequada de difusão de conhecimento: não se busca, com este, alcançar um maior status social, mas sim o conhecimento em si, e tudo que ele pode trazer de melhorias ao ser humano. Talvez se uma iniciativa de tal natureza fosse tomada em nossa sociedade ocidental, conseguiríamos fazer nossas crianças terem mais interesse nas escolas...

Saturday, May 19, 2012

Ciência imparcial?


No decorrer do século XIX a ciência investigou a natureza de forma cartesiana, racional, fragmentada, asociassionista e mecanicista. Nesse modelo o que se era observado eram as relações causa efeito específicas, ou seja um acontecimento no ambiente provoca uma reação em um
 determinado corpo. A reação observada era direta e reflexa.Ao fazer se obterem altas temperaturas no ambiente o corpo libera suor, por exemplo.

Porém o que passou a ser observada a partir de meados do século XX é acensão das teorias organismicas. Nas teorias organismicas o indivíduo é visto como um ser que utiliza-se dos recursos do meio para produzir habilidades e motivação. Há uma relação de troca entre o meio e o corpo, o corpo modifica o ambiente e também é modificado pelo mesmo. Com as descobertas da física quântica e as
recentes descobertas neurológicas estas idéias ganharam mais força. A fisíca quântica atualizando o modelo de certezas da fisíca clássica e transformando os fenômenos em probabilidades e a neurologia se atualizando ao demonstrar a plasticidade das células neuronais. Áreas do cerébro que antes eram tidas como
sendo capazes de realizar apenas uma função especifíca, hoje são observadas como sendo capazes de suprir a função de outras aréas que possam ter sido danificadas por um acidente por exemplo.

Tudo isso coloca em Xeque todo o modelo de ciência clássico cartesiano e traz a perspectiva de se tentar observar o todo. A ciência elege uma hipótese que tem haver com as afinidades pessoais do pesquisador e tenta provar esta hipótese por métodos operacionais realizados em ambiente supostamente controlados. Este sistema tem vantagens e desvantagens. Tem a vantagem de tornar a própria ciência capaz de derrubar a ciência, pois o homem abandona certos dogmatismos e agora é capaz de derrubar a hipótese anterior com uma nova hipótese "comprovada" cientificamente. Mas tem por desvantagem incentivar os dogmatismos de origem científica. Durante a acenssão do nazismo por exemplo os pesquisadores nazistas tentaram provar
diversas vezes a superioridade ariana. O racismo também se mostra evidente quando pesquisadores demonstraram estatisticamente que os cerébros europoides são mais pesados que os cérebros dos negros. Este fato faz lembrar uma frase irônica de Aron Levenstein:
"Estatísticas são iguais a biquínis; o que revelam é sugestivo, mas o que elas escondem é essencial."

Outro exemplo claro de conceitos cientificos previamente estabelecidos são os rotulos de doenças mentais que abrem espaço para inúmeros preconceitos. Existem pacientes com transtornos mentais que precisam ser medicados?
Sim! Mas será que a necessidade que se verifica em rotular e medicar de fato tem
 origem na preocupação com o bem-estar dos loucos ou a preocupação está em manter e "contribuir para o nosso maravilhoso quadro social"?(como diria Raul Seixas).
O que se diz a respeito do vinculo entre alguns médicos que se entregaram a corrupção e a industria
farmacológica?
 Será que essa ciência que se produz é realmente imparcial? Os olhos precisam ser abertos para a incrível função real dos médicos que é a de cuidar das pessoas.
Isto requer a notável habilidade de escuta que vêm se perdendo. O paciente está na maioria dos casos interessado em estabelecer um relacionamento de
confiança com o médico. Os profissionais da aréa de saúde precisam despertar para esse processo. Para a cura do paciente ocorrer de modo integral é
necessária tanto o aparato médico como o suporte psicológico e social. O ser humano tem além das necessidades fisiologicas basicas ( fome, sede, e
provavelmente sexo) as necessidades psicológicas ( autonomia, competência e relacionamento) e as necessidades sociais que variam de cultura para cultura.

Wednesday, May 16, 2012

Exclusão de saberes


O homem com suas dúvidas persegue intelectualmente a verdade sem nunca alcançar. Quando ele pensa ter alcançado a verdade, surge um novo paradoxo e ele
descobre que aquilo ainda é só uma parte.

Imaginem um objeto que é contemplado por quatro pessoas. uma pessoa está localizada na frente do objeto, outra
está localizada atrás do objeto e as outras duas estão nas laterais esquerda e direita do objeto. cada pessoa observa aquele objeto e obtém informações
diferentes dele a depender do ângulo que está sendo observado. Assim é cada ser humano e assim é cada parte do saber, apenas uma comunicação entre cada
aréa do saber humano poderia produzir algo que se aproximaria da verdade. Mas no fundo, isso é uma utopia da ciência. Isto porque a percepção dos objetos
também varia conforme a personalidade do observador e a natureza do objeto. Assim como a consciência a nossa percepção é seletiva. A atenção de uma pessoa
que foi privada por alguns dias de comida se volta para o alimento, e a atenção do biólogo se volta para as formas de vida pois este é o seu interesse. Além
de existirem varias óticas, como já mencionado a percepção varia de acordo com a natureza do objeto, ou melhor a propriedade do objeto em relação ao
meio, ou seja, as interações figura-e-fundo. Normalmente o que é diferente nos chama atenção. Se está tudo quieto e algo se movimenta esse algo em movimento chama
 a atenção da nossa consciência. Se está tudo em silencio e aparece no ambiente um estimulo auditivo de um som estridente naturalmente ele nos chamará a
 atenção. Eis o que enxergamos, a lembrança do que acabamos de ver. Por que é assim que funciona o complexo cerébro-mente, após a imagem ter sido captada
por nosso sistema visual ela será filtrada e processada conforme nossos valores. Devido a isso e a nossa massacrante cultura competitiva, a maioria de nós
costuma enxergar as coisas a nosso favor, visando a nossa vitória em detrimento do outro, ou melhor dizendo, a exaltação a partir da exclusão. É como
imaginarmos uma partida de futebol, frequentemente achamos que o arbitro está roubando em favor do time adversário e nunca achamos que o arbitro está
roubando em favor do nosso time. É o mecanismo de defesa do nosso bem-estar pessoal em ação. É a nossa percepção deturpada da realidade que passa pelo filtro
do principal valor encontrado nos dias de hoje que é o culto ao Eu. Todos querem dominar o saber, para isso tem que apelar para a exclusão dos outros
saberes. Assim gira o mundo, não pelo valor de um saber em si, mas pela sua capacidade de tornar-se superior ao outros. Todo fenômeno que é verdade para
alguém passou por uma observação e constatação distorcido ou não. Imaginemos então as ciências... Todas são dotadas de uma grande fonte de conhecimento. Apenas
o mutuo respeito entre esses saberes pode produzir a solução de determinados tipos de problemas. Como no caso das doenças neuropsiquicas em que é preciso
se fazer um link entre o biológico e o mental. Mas até esta busca por resolver problemas é questionável. Existem problemas que jamais existiram, apenas
quiseram trata-lo como problema. Estranha mania de perfeição do mundo capitalista industrial. Existe a ideia de que todos os problemas podem ser resolvidos por métodos
operacionais. Esta é a lei, e assim passamos a vida inteira combatendo sem se saciar o mundo inteiro. Estabelece-se a meta e resolve-se o problema. As
metas são soluções para os problemas, os problemas normalmente são a falta de algo. Algo este que por um instante chega até parecer que irá nos levar a
plenitude.

Será que sobre tudo se pode falar? Ou será que nosso comportamento de falar esta sendo modelado como o comportamento de falar de um bebê que recebe aplausos
 quando diz "mamãe" pela primeira vez? Por que será que é tão difícil dizer "Só sei que nada sei"? Por que será que é mais difícil ainda VIVER no "Só sei
que nada sei"?

Tuesday, May 8, 2012

Será a criação artística uma forma de experiênciação mística?

O que é, em primeiro lugar, uma experiência mística? Percebo, com frequência, que este é um termo deturpado pelo uso em nossa sociedade. Nas palavras de Fritjof Kapra, "Os místicos orientais acham-se vltados para uma experiência direta da realidade, que transcende não apenas o conhecimento intelectual, mas também a percepção sensorial." ( O Tao da física, p.30). E os Upanishads, um dos livros sagrados hindus, diz:

"O que é desprovido de som, tato, forma, imperecível,
Da mesma forma sem sabor, constante, sem aroma,
Sem começo e sem fim, mais elevado que o grande, estável -
Ao discerní-lo, o homem liberta-se da boca da morte."

Os místicos orientais ( O misticismo também é presente na cultura ocidental, mas é acessório e secundário, por isso estarei estabelecendo-o como uma característica predominantemente oriental ) são monistas, isso é: acreditam que todas as coisas são partes de uma mesma realidade última, Brahmin para os hindus, Dharmaboddhi para os budistas, e Tao para os taoístas. Para eles, a realidade está além da conceituação humana, a realidade simplesmente é, e a conceituação e a lógica levam-nos à uma interpretação parcial e incompleta da realidade, de acordo com nossos preconceitos. É um fenômeno comum no pensamento e cultura ocidentais, trocar-se a coisa pela referência que se tem da coisa. Ou seja, ao olharmos para uma cadeira, imediatamente pronunciamos "cadeira" em nosso cérebro, desencadeando diversas relações que esta palavra tem com nossa subjetividade, à partir de experiências anteriores. Dessa maneira, não estamos mais olhando para a cadeira pelo que ela realmente é - e sim pela nossa concepção de cadeira. A experiência mística ocorre quando deixam-se as conceituações, nomenclaturas e formação lógica do mundo para adntrar no mundo da "realidade absoluta", da realidade real.

E o que é, afinal, criação artística? Não ousarei, neste breve texto, adentrar nas confusas conceituações de arte. Deixarei o termo arte para ser abstraído pelo leitor e, se necessário, feita uma pesquisa sobre isto. Aterei-me somente à conceituação de Poiesis, a criação artística. Poiesis, segundo a wikipedia:

"Poïesis é etmologicamente derivado do termo em grego antigo ποιέω, que significa "criar, fazer". Essa palavra, origem de nosso atual "Poesia", foi primeiramente um verbo, uma ação que transforma e continua o mundo.  Nem produção técnica nem criação no sentido romântico; a criação poiesica reconcilia o pensamento com matéria e tempo, e o homem com o mundo." - Tradução minha.

A Poiesis consiste não apenas na criação de uma obra artística, mas também na contemplação e interpretação de uma, segundo esta conceituação mais ampla. E, também, independe da obra de arte, mas utiliza-a como meio para alcançar seu fim, que é esta reconciliação proposta. Seria, portanto, a Poiesis uma forma e, talvez, a única forma presente fortemente na cultura ocidental, de se alcançar uma experiência mística, de reunificação com a realidade última do universo, de desracionalização da realidade? Aristóteles, na interpretação mais comum de sua obra A poética, parece nos dizer que a arte, a poesia, é o meio do homem reparar a realidade imperfeita e alcançar a perfeição, ideal sempre buscado pelos gregos. Nesse ponto, pode-se dizer que a meta tanto da experiência mística quanto da arte, nessa conceituação, são o mesmo: alcançar a realidade além desta realidade, a realidade perfeita.

Outro ponto em comum entre os dois conceitos está na maneira de atingí-lo. Tanto em uma quanto na outra, é necessário uma abdicação do pensamento racional. Tanto em uma quanto na outra, a técnica é necessária e o treinamento é indicado, mas nunca é o essencial: tanto a obra artística quanto a experiência mística independem de longos treinamentos para aperfeiçoar a técnica envolvida ( Seja de pintar uma tela, escrever um conto, praticar artes marciais, esgrima ou tiro com arco ), apesar de estes serem recomendados. Ressalto ainda, como semelhança, a quietude geralmente recomendada quando se deseja alcançar ambas as instâncias.

Deixo, por fim, a pergunta no ar. Se for verdade a afirmação de que a Poiesis é uma forma de se atingir uma experiência mística, então podemos enxergar claramente na cultura ocidental diversas experiências de caráter místico, o que contradiria um senso comum à este respeito. O que vocês acham?