Wednesday, February 26, 2014

Precisamos de dinheiro?

Existe uma coisa no mundo que é facilmente capaz de legitimar a violência, a escravidão, exploração e injustiça. Não discordamos dele, ele é tido como tão natural, tão primário e necessário que seria impossível imaginar uma sociedade bem organizada sem ele. Quais seriam os parâmetros de uma sociedade sem dinheiro? É nossa tendência pensar que voltaríamos a época da barbárie, que o desenvolvimento tecnológico pararia e ninguém mais iria querer trabalhar, afinal o trabalho é uma coisa enfadonha, rotineira e cansativa: grande parte das pessoas não gostaria de ter a ocupação que têm. Escolhemos nosso trabalho, muitas vezes baseados na segurança, procuramos aquele que vai garantir nossa sobrevivência. Para os mais afortunados é apenas uma segurança psicológica, para outros é literalmente biológica, precisamos comer, mas em todos os casos envolvem necessidades sociais. Você já se perguntou o que significa quando vemos uma pessoa com certa instabilidade financeira gastar todo o dinheiro do mês com roupas de marca e um eletrônico?  
                Para se entender como o capitalismo funciona atualmente, é preciso falar sobre a relação entre o trabalhador e os donos das empresas. Digamos que o trabalhador trabalhe para comprar o que ele próprio produziu, deixe-me explicar. Com 20% de seu lucro o dono de uma empresa paga todos os seus funcionários, e com esse dinheiro que recebem, esses funcionários compram sem parar das grandes empresas, movimentando o mercado. Henry Ford foi um dos gênios malignos dessa lógica, o inaugurador da produção em série, conseguiu atingir um nível de produção jamais visto, e fazia parte do regulamento da empresa que os funcionários comprassem apenas automóveis Ford. Para Henry Ford era fundamental que seus funcionários ganhassem bem, pois em sua astúcia, ele sabia que seu sucesso dependia do mercado consumidor. Com a revolução das máquinas, uma onda de desemprego ameaçava o mundo, desemprego esse, que não era um bom negócio para a alta burguesia. O ser humano tem tecnologia suficiente para que as máquinas façam todo o serviço pesado por nós, mas é fundamental para a movimentação econômica que não estejamos desempregados e sejamos consumidores em potencial. Há uma série de empregos inúteis em nossa sociedade, que não vou citar em respeito aos que exercem essas profissões. Se deixarmos as máquinas trabalharem e cessarmos o consumismo desenfreado poderíamos trabalhar cerca de três horas por dia. Recentemente o simpático presidente Uruguaio, Pepe Mujica, afirmou em um de seus discursos que ao reduzir a jornada de trabalho de alguns setores para 6 horas por dia, as pessoas passaram a procurar dois empregos. Porque vivemos em uma sociedade altamente competitiva, precisamos de mais lucro! Para Pepe Mujica, e devo concordar com ele, é o mercado que rege o ser humano e não o contrário. Os produtos são lançados de acordo com a regra do lucro e não de acordo com nossas necessidades. Ou seja, é fundamental que a tecnologia seja lançada aos poucos, que troquemos de carro todo ano, que troquemos de celular, de Tv e de computador. Além do fato de que manter um celular velho nos faz sentir ultrapassados, ainda existe o fato de que os bens de consumo não são feitos para durar! A industria das lâmpadas por exemplo pode fazer lâmpadas que durem 100 vezes mais, mas isto não é um negócio lucrativo, não é mesmo? Toneladas de produtos são jogados no lixo todos os dias, a degradação ambiental consequente da pouca durabilidade dos produtos é gigantesca e completamente irracional! A investigação científica também fica a mercê do investimento financeiro, não há pesquisa se não há lucro, não se quer saber o quanto uma tecnologia nova pode ajudar as pessoas, e sim, o quanto  de dinheiro se pode obter delas. Na área de saúde mental por exemplo, temos o domínio da indústria farmacológica, e sua influência no meio acadêmico, que são os diagnósticos. Quanto mais diagnósticos, mais remédios vendidos, pois a lógica é transformar os problemas psicológicos todos em doenças, pois doenças só são tratadas com medicamentos. Deixar o mercado reger a si mesmo, confiando na mão invisível proposta por Adam Smith, é contribuir para que jogadores de futebol ganhem um salário de 500 mil, para que senadores ganhem 26,5 mil e professores ganhem apenas mil reais. Moro em uma cidade em que um metrô em construção deveria ser entregue a mais de 10 anos atrás, mas todo esse dinheiro oriundo da arrecadação de impostos vem sendo desviado; vivo em um país onde certos lideres religiosos arrecadam milhões e vivem em mansões de luxo a custa de seus fiéis.  O sucesso dessas instituições revela que quem está por baixo precisa e carece de segurança, de comida, saúde, conforto, casa, e por isso são influenciadas pelas promessas de líderes carismáticos que emanam riqueza e prosperidade. Este é um convite à reflexão, a estudar a história do dinheiro (que atualmente dita quem pode e quem não pode), e a não aceitar a exploração da classe trabalhadora. 

Saturday, February 1, 2014

Sobre a introversão

O que me motivou a escrever esse texto, além de minha introversão, foi a percepção de que vivemos em um mundo onde o extrovertido é muito mais valorizado, é reconhecido, tem amigos e consegue mais oportunidades. No geral, o introvertido sente um sentimento de culpa por sua introversão, ele tenta se adequar às exigências das outras pessoas, tenta se entrosar e se expor muitas vezes, mas ao sinal da primeira ameaça de punição, ele retorna para uma espécie de casulo que porventura ele possa ter criado, com um incrível sentimento de culpa.  É importante para mim, ressaltar que esse texto reflete grande parte da minha experiência pessoal, e que a intenção da minha escrita não é a de fazer uma demonstração ou manual de como superar o problema da introversão, problema este que ainda enfrento quase diariamente. O primeiro ponto que eu gostaria de tratar, é que a introversão não é algo a ser superado, ela é na verdade, um estilo psicológico, um modo de encarar e ver o mundo, e a pessoa introvertida ganha muito mais se souber utilizar este característica à seu favor, seja na interação com os amigos, na vida profissional ou na paquera. Existem pessoas que simplesmente não gostam de se expor constantemente, não irão iniciar interações em filas de bancos, nem vão fazer inúmeras participações nas aulas da faculdade. Elas têm mais interesse e capacidade em ler livros enquanto tomam um café quente em dia de chuva, assistir bons filmes, jogar xadrez com um(a) amigo(a), escrever, conversar a dois, falar menos dando mais oportunidade para a outra pessoa falar, viajar para o interior e conhecer cachoeiras. Isto não configura problema algum a princípio, não significa que a pessoa seja antissocial, nem que ela se acha superior, significa apenas que ela tem a capacidade de partir dos seus pensamentos, de seus sentimentos, de seu mundo interno para se posicionar no mundo, e não o contrário, como é o caso do extrovertido, que primeiro age, e depois reflete sobre o que ocorreu. Resumidamente, tanto a introversão como a extroversão tem suas vantagens e desvantagens, o extrovertido é alguém que vai mover as coisas e vai comunicar abertamente o seu posicionamento, já o introvertido vai reter algumas informações para depois chegar a conclusão do que é melhor a se fazer.  O ideal mesmo é que os entes humanos tivessem equilibradamente uma dose de introversão e uma dose de extroversão, mas é necessário entender que qualquer esforço obsessivo nesse sentido é prejudicial ao sujeito. Numa perspectiva rogeriana apenas a autenticidade é que pode fomentar o aprendizado necessário para tornar-se “humano”.  Quando Carl Rogers (1980) fala sobre autenticidade percebe-se como a autenticidade está para além das palavras, não se trata de seguir regras sobre o que uma pessoa autêntica deve fazer. O que posso dizer sobre autenticidade, posso dizer apenas sobre minha jornada rumo a autenticidade, e meu processo de tornar-me autêntico. É possível que o meu processo ( que está em andamento) carregue consigo leis universais, mas não me arrisco a explora-las, cabe ao leitor comparar minha situação com sua situação pessoal, e ver se partindo disso temos pontos em comum. Sobre mim, posso dizer que aceitar minha introversão tem sido como me livrar de um terrível peso sobre meus ombros, e ressalto que introversão não significa isolamento. Isolamento é patológico. Para Erickson (1976) o polo oposto do isolamento é a intimidade, e de fato, as pessoas se isolam porque temem o contato íntimo com outras pessoas, e elas podem fazer isto por vários motivos que descreverei. Esse é na verdade um dos maiores riscos da introversão, construir um casulo formado por regras muito rígidas, tão rígidas, que qualquer aproximação de outra pessoa pareça um ataque, pois já que cada pessoa tem seus próprios valores, é inevitável que questionemos os valores uns dos outros. Para uma boa convivência com os demais considero importante que cada pessoa conheça os seus valores pessoais, conheça quais são estas regras que regulam seu comportamento, porque o conhecimento desses valores, o popularmente chamado auto-conhecimento, é que permite que nos tornemos íntimos de outras pessoas. Conhecer a si mesmo permite ser congruente, mostrar quais são seus limites para o outro, superar seus limites e respeitar os limites das outras pessoas.  E finalmente, quando digo aceitar a introversão, me refiro a liberdade de escolher o que quero fazer, de manejar as cobranças sociais, de modo que se eu não quiser estar na companhia de muita gente naquele momento, posso fazer isto.  Apesar de estar distante disto, acredito na possibilidade de um ser humano gostar de sua própria companhia a tal ponto que suponha que os outros também irão gostar de tê-o como companhia.