Friday, March 28, 2014

Gratidão

Um dos sentimentos mais religiosos que existem, no bom sentido da palavra religioso, é o sentimento de gratidão. No cristianismo, em muitos contextos, talvez essa palavra tenha se associado à obediência, fazendo-se perder a real beleza da palavra. A lógica das religiões monoteístas, tanto do cristianismo como outros sistemas de crença, é a de que se um ser superior nos deu a vida e individualmente nos protege do mal, esse ser merece nossa obediência. Com a ideia de obediência, o que as religiões propõem, é que seus adeptos sigam seu caminho, caminho este marcado por um código de conduta, que recebe o título de "a vontade de Deus". Com isso, a religião, com seu poder político, e se aliando a outras forças ( o Estado, a família, a escola) , conseguiu durante séculos, e ainda atualmente, influenciar os rumos em que a sociedade se desenvolve.
Se você olhar por esse lado, certamente, tomará partido contra a religião. A posteriori concordo com essa decisão, mas acho que se perde um olhar interessante quando não se olha para o que exatamente a religião aponta. Não estou falando a respeito de Deus, pelo menos não exatamente.
Estou quase certo de que tem algo na vivência religiosa, que vai além do que chamam de alienação. Algo verdadeiro, mas que não confirma a tese monoteísta, pelo contrário, mostra de que terreno desconhecido os sacerdotes vêm se apropriando durante milênios, para dominar e manipular as massas. Me refiro à gratidão mencionada no começo do texto. Gratidão num senso diferente, mais no sentido da palavra compaixão. Esta gratidão não é um dever como propõe as religiões, não há ninguém para punir os ingratos, e ninguém para recompensar os gratos.
Por mais que sofremos, nos desgastemos, perdemos coisas e pessoas importantes, ainda assim é uma aventura e tanto estar vivo, não? E a morte é a garantia de que a vida merece ser celebrada, pois independente do que acontecer durante nossa vida, o sofrimento termina com a morte. Esse é o grande mistério, o mistério existencial, com que finalidade estou vivo? Acho que nenhum de nós tem a resposta para isto, e talvez nem seja uma pergunta sensata.  Numa certa feita, o guru Osho disse algo interessante sobre isso, não que eu seja um grande admirador dele. Ele perguntou aos seus discípulos: "Porque uma flor floresce?". Esta pergunta é semelhante com a pergunta " Porque estou vivo?", pois em ambas as coisas, não há um objetivo, mas inúmeras finalidades possíveis, tantas, que nem se pode dar uma resposta. O mais sensato é admirar a beleza da flor.
Em geral, até os 40 anos, as pessoas olham muito para o que ainda vão conquistar, o que precisam ter, quem ainda vão ser, a casa que irão construir e o que desejam. Ainda não tenho esta idade, mas pelo que ouço falar, e pelo que a teoria diz, chegada a meia-idade as pessoas começam a olhar mais para o que conquistaram ou para o que já possuem. Por esse e outros motivos, a sabedoria sempre esteve tão associada aos mais velhos, apesar de que em nossa cultura, há um movimento de inserção até mesmo dos idosos na lógica de mercado. Temos hoje velhinhos altamente consumidores! Mas antes que eu me desvie do assunto, o que quero falar é sobre essa mudança de postura que costuma ocorrer quando as pessoas ficam mais velhas. É o momento em que a pessoa desiste de perseguir as imagens idealizadas e passa a tentar encontrar os pontos positivos da realidade em que ela se encontra. Quando digo imagens idealizadas, me refiro ao que um indivíduo está tentando se tornar, a imagem a partir do qual ele traça os seus objetivos: o corpo, posição ou status que ele quer alcançar. Suspeito que a concretização dessas imagens não resulta na satisfação prometida. Trata-se de uma falsa promessa de felicidade. Suspeito disso, porque as coisas que eu julgava essenciais que alcancei não me trouxeram a paz. Talvez só as pessoas famosas e muito ricas possam atestar verdadeiramente isto. Temos exemplos e exemplos de artistas famosos que perderam o sentido de viver, mesmo dispondo da melhor comida, parceiros amorosos, diversão e prestígio que a sociedade poderia oferecer. Portanto aquelas pessoas que tanto almejamos nos tornar, na verdade, não estão necessariamente satisfeitas. A satisfação é uma postura mental! E não tenha dúvidas, uma pessoa satisfeita é uma pessoa grata. Não satisfeita no sentido comum, de se saciar de uma nova conquista, mas realmente satisfeita, no sentido de não precisar de muitas coisas que não possui.