Thursday, June 4, 2015

A volta do que não foi

Amigos, quero muito voltar a postar aqui. Mas preciso me reacostumar a escrever, há muito não escrevo por hobby. Mas agora estou com tempo novamente, e em duas semanas, entro de férias da faculdade, então voltarei a postar de vez. Até lá, deixo um micro-conto que escrevi há muito tempo, mas que ainda me traz muitos sentimentos á tona.

Passeio Matinal

"Cacete de agulha!" - Anônimo no youtube

Quero um buraco.

Um buraco bem grande.

Aliás não. Quero um buraco pequeno e aconchegante, um que seja da exata medida.

Mas não existem buracos de exata medida, pensei com desgosto.

Um buraco imaginário então, foi o que comecei a elaborar. Fechei os olhos até que finalmente, oh! bato sete palmas de alegria e estremeço de prazer. Este é o buraco exato. Aconchego-me com ternura e potência dentro de minha caverna escura, minhas quatro paredes de plenitude e solidão. Uma voz baixa, no entanto, me chama. Uma voz fraca e débil, como um pequeno pássaro de asa quebrada. Inquieto-me e irrito-me com a perda súbita da pseudo-epifania vigente. Abro os olhos então e, como Adão, sinto vergonha de minha nudez. O horror toma conta de minha mente, só quero voltar para o buraco.

- Venha, diz uma voz autoritária, venha, diz outra vez. A janela me chama, busco a impossibilidade de repetir o fenômeno da quietude do prazer. Da solidão. Percebo-me hipnotizado e guiado pela voz, até que o pássaro parece recuperar suas asas e, com muito esforço, grito: Não! Não, não, não! Levanto-me da cama bruscamente. Estou atrasado para um compromisso! Pensei, fingindo-me esquecer de tê-lo cancelado previamente. Agarro-me com todas as forças a esta desculpa e saio de casa, inseguro ainda. Perco-me em labirintos e bosques, e logo percebo-me passeando entre corredores tranquilos no largo do campo grande.

        A paisagem me é familiar e sinto-me protegido de algum modo. Foi quando percebi, com súbito horror e surpresa, que o único que chegava perto de me compreender era o meu eu. Ele era o único para quem eu existia. Mas como podia ser, que poderia querer eu com meu eu? Meu eu fraco, covarde, repleto de absolutos. Só poderia querer mesmo racionalidade, e olhe lá! E logo agora que eu havia finalmente adquirido controle sobre meu corpo e mente, agora que a besta adormecida soltava suas amarras como o pássaro débil que ganhara asas, logo agora, a luz incide sobre este fato inquietante.

        Mas como o tempo passa! Pensei distraído, notando a mudança no ambiente ao meu redor. Percebo-me num ônibus lotado, passando pela Barra. As ondas do mar parecem refletir minha alma de forma incômoda. Sou como um pequeno peixe, pensei, que insiste em ser peixe ao invés de deixar-se ser mar. Em ser algo e não em ser, só. E ainda luta com bravura contra as ondas! Entre as cabelos ondulados à minha frente e o mar, percebo uma enorme distância. Então é por isso que as pessoas fazem. Ser é difícil, e, principalmente, muito perigoso. Fazer é fácil e confortável. Mas que havia eu de me preocupar,  afinal? Tinha pouco mais de vinte anos, somos tão jovens. Há muito para se fazer na vida. O ser, deixamos pra lá, não tem importância, este nós deixamos para os filósofos e poetas, e todos sabem que fim tem os filósofos e os poetas. Mas será que fui escolhido? Se o tiver sido, não tenho escolha. Posso lutar contra marolas mas não contra a imensidão do mar. Só o buraco é livre dos signos. Ah, como o buraco me fascina, me atrai e me enoja, pensei com asco. Asco de quê? Não sei. De ser, talvez, ou será medo? Cacete de agulha.

Wednesday, June 3, 2015

A LISTA

— Cara, mas a bíblia é muito doida. Fica falando de graça, perdão e reconciliação, de um Deus amoroso e tal. Mostra Jesus perdoando todo mundo, a torto e a direito, com aquela frase tipo, "alguém te condenou? eu também não te condeno" e essas coisas todas. Aí, do nada, aparece uma lista de condenados, gente que não pode entrar no Reino de Deus. Tem de tudo lá, mentiroso, ciumento, fofoqueiro e sei lá mais o quê. É uma loucura isso.


— O que gera tanta confusão é o histórico, meu velho. A gente tá imerso em dois mil anos de cultura cristã. O ocidente todo está. Não tem um que se escape. Dois mil anos de rituais, doutrinas, hierarquias e medos. A gente já lê a bíblia condicionado. Até ateu faz assim, porque cristianismo não é só religião, fé, crença; cristianismo é cultura ocidental. O que nos chama a atenção é o que a igreja oficial gritou do alto dos púlpitos esse tempo todo. E a mensagem oficial é política. Tem a ver com controle de massas, com jogos de poder, com grana, com vaidades de todo tipo. Os dois mil anos de discurso oficial nos tornaram cegos para o fato mais assombroso da mensagem bíblica. O que não somos mais capazes de ver é que a bíblia é toda ela subversiva. Mas é um livro inserido na história e que precisa ser lido entendendo esse vínculo profundo de cada parte dela com o tempo em que foi escrito. A lei de Moisés era um grito de justiça e igualdade atravessando a opressão das lanças e escudos da idade do bronze. Séculos depois os profetas levantam a voz relendo a lei sobre novos olhos, reinterpretando a lei e confrontando reis e sacerdotes. "Misericórdia quero e não sacrifícios", é a reformulação do grito da lei para uma nova geração. Jesus lendo Isaías na sinagoga é o novo grito, agora encarnado, agora definitivo.

— Mas a lista de condenados é posterior a Jesus.

— É verdade. Mas veja bem. A história da bíblia é a história das interpretações humanas a respeito da revelação discreta de Deus na alma confusa do homem. Primeiro Abraão, depois Moisés, depois os profetas, cada um reinterpretando e resignificando a mesma mensagem de graça, perdão, reconciliação, de um Deus amoroso, como podia, a seu tempo. Aí vem Jesus, o Emmanuel, o Deus conosco, a encarnação desse Deus que vinha sendo interpretado durante toda história. Depois de Jesus, começa tudo de novo. Novas interpretações e resignificações dessa mensagem, com a diferença que, agora, a mensagem é observável, tem carne e osso. Mas as reinterpretações prosseguem. Paulo e Tiago, por exemplo, reinterpretam-se a tal ponto que um parece contrariar o outro às vezes. Lutero queria tirar a carta de Tiago da bíblia porque ele reinterpretava e resignificava Paulo. Mas mais do que isso, Paulo reinterpreta e resignifica a si mesmo em diferentes situações. Num momento somos todos iguais e já não há judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher - coisa que é subversão ainda hoje, imagine na época - em seguida as mulheres devem se calar porque não é bom que falem em público.

— Mas e a lista?

— Não há uma lista de condenados, amigo. Pelo menos não como você imagina. Você lê como se houvesse porque lê a partir da cultura cristã de dois milênios. Para Jesus a coisa é simples. O Reino de Deus é como um rei que queria cobrar as dívidas dos seus súditos, é o que diz aquele contador de histórias. Porque, não custa lembrar, a bíblia é essencialmente um livro de histórias, e histórias tem muito mais a dizer do que doutrinas a ensinar. O Reino é como um rei que, para cobrar uma dívida, chama um súdito sabendo que o que ele deve é muito maios do que jamais poderia pagar. É o reino de um rei que vê o súdito olhar nos seus olhos desesperado porque sabe não ter como pagar, e crê que há uma pena natural para quem não paga. Mas é, acima de tudo, o reino de um rei que com voz mansa e olhar amoroso derrama graça, perdão e reconciliação sobre o devedor. Anula o débito. Já não há nada a ser pago. Assim é o Reino de Deus, é o que afirma Jesus em sua parábola. Acontece que o súdito perdoado também tem alguém que deve a ele, e a história prossegue. E do ponto de vista desse súdito, perdoar não é algo aceitável. Ele aceita o perdão, mas não perdoa. Receber e admissível, mas oferecer é ofensivo. O sujeito manda prender seu credor e executar a dívida. Mas o reino é lugar de perdão, graça, amor e reconciliação. Essa é a mensagem. É lugar de perdão e graça mútuos. Basta ao discípulo ser como o mestre é o mesmo que dizer basta ao súdito agir como o rei. A sua confusão, amigo, é entender que a lista de condenados indica gente que não pode entrar. Não é isso que indica a lista. O ambiente do Reino é perdão, graça e amor. Essa é a atmosfera, o ar que se respira nesse Reino. Esse é o reino sussurrado em toda bíblia, de capa a capa. A lista não indica quem não pode. Indica quem não quer.

Do brother Tuco Egg - atrilha.blogspot.com - um dos melhores blogs da atualidade, sem exagero nenhum!

Tuesday, June 2, 2015

A morte do instante anterior

Mergulhado no momento, é ai que se pode fazer uma mudança radical no pensamento.
Mas a pessoa radical deve ser leve, sutil, para que ai não se possa achar tensão.

Momentaneamente mergulhado, é ai que se faz a imersão para renascer. 
Ressurgir depois de longas noites no inconsciente inóspito e frio.

Quem é afinal o dono da casa? Eu, o outro, Deus, ou o herói.
A casa deve estar vazia. Não há dono algum por direito.

Porque tememos tanto esse vazio, o que há ai?
Há ai um abismo sem fim, que toca a morte.

Só é preciso um pouco de paciência, 
Como distinguir o caminho certo?

Não há caminho certo,
Mas há muitos falsos.

Falsos, Lá-depois.
seja Aqui-Agora.

E tudo chega
a um fim.

Ame
mais

rip