Wednesday, May 21, 2014

A criatura e os humanos (conto)


Sophia sempre costumou ser uma garotinha muito esperta. Sua curiosidade típica da infância a ajudava a aprender algo novo todos os dias. Numa certa ocasião, quando tinha 7 anos, ela começou a enxergar coisas que as pessoas normais não viam. É sobre essa primeira visão que trata essa história. Daquele dia em diante Sophia não parou mais de ver. Tudo começou em um dia de primavera. Sophia estava no carro com sua mãe voltando de um passeio. Em determinado momento do trajeto Sophia olhou através do vidro fumê do veículo e viu algo se rastejando na rua. Uma criatura deplorável, que se mexia mancando e curvando-se a cada passo. Provavelmente era um animal, como aquele esquisito que ela vira no zoológico, tinha garras e muitos pelos espalhados pelo corpo todo. Além disso parecia doente, como se tivesse se alimentado de comida estragada nos últimos meses. Os olhos do estranho ser cruzaram os olhos de Sophia, e foi algo tão natural, que Sophia teve certeza de uma série de coisas. A primeira delas, é que sua mãe não conseguia enxergar a aparição. A segunda coisa, o bicho tinha alma, sim, aquele olhar não é um olhar de pedra, é um olhar de coisa com alma. Talvez fosse uma alma. Lembrou-se, certa vez seu primo lhe contará uma história de espíritos para meter medo. Disse que quando as pessoas morrem elas se tornam almas vagando pela terra até encontrarem seu caminho. E que algumas dessas almas são brincalhonas e maliciosas, perturbando a noite e o dia dos vivos. Refletiu, mas esse não era o caso da criatura em questão, não era uma alma. Notava-se as gotas de suor em sua pele, os dentes projetavam-se para frente numa constante ameaça de ataque, até uma criança de 7 anos poderia ter certeza de que estava viva. Essa foi a terceira certeza. Não era um ser do além! A quarta certeza é sem dúvidas a mais impactante, pois põe em xeque tudo o que Sophia aprendera sobre a vida, seja o que a professora ensinara, ou a mãe. A realidade é que... 

Deixe me contar isso de outra maneira... Um instante depois de os olhares se encontrarem, o veículo parou bruscamente. Acima do carro a luz verde se apagara e a luz vermelha acendera. Sua professora explicara no dia anterior que isto era um sinal para os veículos pararem. No momento em que o carro parou a aberração se aproximou em longas passadas, como um leopardo indo de encontro a um gnu. A mãe de Sophia começou a ver, e segurou firme no braço da filha. Quanto mais próximo estava mais nítido ficavam seus contornos: sua cabeça era achatada, seus membros compridos e esguios. A coisa bateu no vidro do carro. Momentos de tensão para Sophia e sua mãe. O coração da garota disparou. De repente, a mãe de Sophia abaixou o vidro, e estendeu a mão com algumas moedas. Era humano. 

Wednesday, May 7, 2014

Uma introdução ao Tao

A arte do Wu Wei        

O Wu Wei é um dos ensinamentos centrais da filosofia taoista, cujo valor é inestimável para aqueles que o compreenderam. O taoismo é considerado aqui no ocidente uma religião ou filosofia, mas sua essência é bastante diferente das filosofias ou religiões ocidentais. Eu descreveria o Wu wei, como um estilo de vida que ameniza o stress de nossa rotina, traz paz, diminui a preocupação com o futuro, e disciplina nossas ações. Contudo, as palavras disciplina e ensinamentos, tem no oriente uma natureza totalmente diferente do sentido usual no ocidente: confusão causada pelo modo como fomos educados aqui no ocidente! A nossa educação tem sido baseada na repressão, no esgotamento da energia, num despejo de informações vindas do professor, na obrigatoriedade em cumprir o conteúdo programático e principalmente na existência de regras e proibições rígidas. Mas não é a respeito desse tipo de ensinamento que o taoismo trata, e sim a respeito da autonomia. Como pode alguém ser realmente disciplinado se não tem autonomia? A disciplina do ocidente é como a disciplina militar, ela molda o comportamento, mas também submete a autoridade. E quem está submetido a autoridade nunca está livre. Está sempre tendo que obedecer leis intransgressíveis. E essa autoridade pode ser externa, ou estar internalizada. Por isso, é muito difícil para o ocidental contemporâneo compreender o Wu wei, pois ele também irá tentar transforma-lo em uma lei.   
O taoismo, assim como a psicologia, é o estudo da mente humana, contudo, por uma via totalmente diferente. O termo chinês "Wu wei" significa literalmente não agir. Enquanto a psicologia intervem na mente, o wu wei apenas a "deixa estar", por assim dizer. O que seria esta não-ação? Ao contrário do que possa parecer não significa ficar inerte e morrer de fome. Eu poderia dizer que Wu wei significa você não lutar contra sua natureza. Muita energia é dissipada nessa luta. Mentimos diariamente a respeito de quem somos, usamos uma máscara toda vez que saímos de casa ( Persona). Contudo, estou quase certo, que não lutar contra sua natureza, não significa que você tenha uma natureza fixa. A natureza humana é mutável, criativa, fluída, não há natureza humana enrijecida.  
Para evitar confusão, algumas pessoas denominam o Wu wei, de Wei wu wei. Que significa literalmente, agir não-agindo. O acréscimo do termo "wei" denota que este estilo de vida não significa ficar parado, inerte, morto. Pelo contrário, ele desbloqueia o que te impede de agir: o medo. A ação contida no Wu wei não tem por objetivo distorcer a realidade, nem idealizar, nem ter uma visão pejorativa, nem ter planos impossíveis, e nem esconder os seus desejos em locais que nem você ache.
O wu wei, quando bem compreendido, lentamente tira a mente do estado de confusão. A grande confusão da mente é a escolha. Preferimos gastar uma vida inteira escolhendo o que é melhor fazer, do que de fato ir fazer algo significativo. Se por um lado, esta confusão surge dos diversos ensinamentos que recebemos ao longo da vida, o wu wei, consiste em desaprender, é o ensinamento do desensinamento.