Sunday, December 27, 2015

O deus do consumo

Em um mundo onde o valor de uma pessoa é medido pela sua capacidade (e efetividade) de consumo, optar por não consumir não pode ser considerado uma medida popular. É verdade que há, atualmente, certo glamour em um estilo de vida alternativo, mas somente quando esse estilo é devidamente registrado por um iphone 5 em fotos e vídeos belíssimos e publicado em algum blog ou site hipster. De qualquer forma, um estilo de vida mais leve e generoso só faz sucesso quando o personagem que o encarna também o faz.

Um ricaço generoso e bonitão que constrói casas para desabrigados é admirado não por ser generoso e construir casas, mas justamente por ser um ricaço bonitão fazendo isso. O subproduto derivado desse personagem é o sujeito que sonha em ser rico e bonito para poder construir casas para desabrigados.

Um pé rapado que generosamente se dispõe a bater barro em paredes de pau a pique no sertão sem nada receber em troca, segue sendo um pé rapado como qualquer outro. Sua história pode gerar alguma empatia rápida, mas em uma análise mais criteriosa, o pé rapado segue sendo um perdedor.

O sujeito de classe média, com alguma bala na agulha no que diz respeito ao poder de consumo e que, mesmo assim, opta por consumir cada vez menos, acaba recebendo invariavelmente o rótulo de mão de vaca. E isso é notoriamente compreensível, porque não é possível ao homo-consumista imaginar que alguém, podendo, não compre, seja lá o que for. Isso é uma contravenção que deve ser tratada como fraqueza.

Negar o consumo é sacrilégio justamente porque consumir é ato sagrado. Frei Betto já descreveu com precisão os Shopping Centers como os novos templos da religião universal que abraçamos. O altar é o caixa, o sacrifício é oferecido nas máquinas de cartão de crédito, e a bênção recebida é o novo objeto de consumo que trazemos em mãos. Testemunho de fé é ostentar o produto adquirido da melhor forma possível, como, por exemplo, publicando no Facebook uma foto daquele prato de comida de um bar ou restaurante sofisticado.

Construir casas para desabrigados é atitude louvável e quem dera fosse repetida por muita gente mundo afora, mas o indivíduo que sonha com um mundo melhor e se debruça sobre as possibilidades de construí-lo disposto a calejar as mãos, deveria pensar na possibilidade de agir, desde já, de forma que um mundo assim seja minimamente viável. Um mundo melhor depende de um contingente maior de pessoas que, podendo consumir razoavelmente, optem por consumir menos. Não com o olhar penoso, sofrido e angustiado da criança que não pode comer os doces que estão sobre a mesa, mas com o olhar sereno, leve e satisfeito de quem está plenamente saciado com as acerolas do jardim e para quem os doces, de fato, não fazem a menor falta.


Retirado do site atrilha.blogspot.com
Autor: Tuco Egg

Friday, December 11, 2015

Memórias nostálgicas de um boêmio

O passado assombra feito sombra
É imagem que se congela, prisão.
Reprise dos prazeres que já vivi.

Momentos felizes,
Aparentam perfeitos,
Mas não foram
E já se foram.
Lido com isso

Trago no peito as marcas do que amei
Trago na alma os sonhos que sonhei
Mais um trago por favor,
Digo ao garçom

Mas nem a bebida apaga,
Veja o preço que se paga,
Por avançar numa direção inusitada
Por andar sem rumo na estrada

Assim é: a vida se renova,
Ela vai... e você com ela
Ou vai por bem ou por mal
E não há mal nenhum,
Em se agarrar a algo

Mas saiba que é efêmero
Que não vai durar, e ainda assim,
Nós vamos continuar

De cabeça erguida
E coração aberto

Friday, November 13, 2015

Suicídio: Um lapso na teoria da seleção natural?

Nesse texto irei trazer a tona um questionamento: É possível falar sobre suicídio a partir do ponto de vista biologicista? O suicídio parece contrariar a ideia de que todo organismo busca se manter vivo, e é exatamente por isso que ele pode ser um lapso nos fundamentos de nossa Biologia.
   
A parte da ciência que cuida da saúde humana, desde suas origens, ou pelo menos há um bom tempo é fundamentada na biologia, no nosso corpo palpável e material. E nossa biologia é fundamentada por uma importante teoria inaugurada por Charles Darwin em 1859, a teoria Evolucionista. A teoria evolucionista por sua vez é fundamentada pela Seleção Natural. Acredito que o leitor já esteja familiarizado com a Seleção Natural, mas irei fazer uma breve descrição de seu funcionamento. A Seleção Natural é a sobrevivência do mais forte, ou seja, a sobrevivência daquele indivíduo que está mais adaptado ao ambiente. No decorrer da historia terrestre mutações na reprodução do DNA foram e são comuns em todas as espécies, sendo que a maior parte dessas mutações é inútil, elas acabam não se repetindo. Entretanto algumas mutações se adaptam melhor ao ambiente do que o indivíduo original da espécie, e assim os indivíduos com a mutação tendem a sobreviver mais do que o indivíduo original da espécie. Com o passar de muitos anos a tendência é que os indivíduos com a mutação (traço) que se adaptou bem ao ambiente se tornem a maioria, e assim, dizemos que ocorreu a evolução da espécie. Portanto a Seleção Natural é o fato de que o ambiente selecionou os mais adaptados. Para ilustrar isso, um exemplo famoso é o surgimento do Urso Polar. Há indícios de que numa certa feita um urso pardo nasceu com a seguinte característica anômala: pelos brancos. Por um acaso significativo esse urso habitava o ártico, e por ter o pelo branco, conseguia se camuflar melhor na neve, surpreendendo suas presas no gelo e obtendo ampla vantagem sobre os outros ursos. Esse urso sobreviveu, cresceu e se reproduziu passando seus genes pra uma série de outros ursos que continuaram obtendo vantagem sobre os ursos pardos, e acabaram por se tornar a maioria no ártico, já que estão mais adaptados ao ambiente.     

Dentre as correntes da Psicologia, existe uma que se alinhou mais com a ideia da seleção natural, e com a Biologia: o Behaviorismo. No Behaviorismo o comportamento dos seres humanos e também das outras espécies de animais é analisado de forma semelhante à seleção natural, Os comportamentos que se adaptam mais ao ambiente são selecionados durante a vida de um indivíduo. Os comportamentos que resultam em comida, água, sexo e segurança são reforçados e tendem a se repetir. É a teoria do reforço. É assim que se faz por exemplo o adestramento de animais: cada comportamento adequado do cão é reforçado com um petisco. Como explicar então o fato de que indivíduos apresentem comportamentos completamente inadaptados à sociedade e nocivos para si mesmos? Eis a questão, quando levamos em consideração que somos seres que vivem numa sociedade a coisa se torna bem mais complexa. No entanto, ainda é possível responder essa pergunta através da teoria do reforço que estávamos falando. Os comportamentos auto-nocivos se explicam pelo fato de que na sociedade humana o ambiente se modifica rápido demais, logo, o que chamamos de comportamento nocivo foi um dia útil para nós mesmos ou para nossos antepassados da antiguidade ou da era primitiva. Por exemplo, o instinto de se agrupar e odiar os inimigos foi muito útil numa época da humanidade que os recursos eram limitados, e os seres humanos precisavam competir, no entanto tal comportamento é hoje a causa das guerras e de grande parte das mazelas da humanidade. O mundo mudou, o ambiente mudou, mas ainda estamos condicionados pela nossa experiência pessoal ou pela experiência da espécie a agir do modo antigo. Ok, a teoria parece totalmente coesa até ai, até que encontramos um lapso, algo que pra mim ainda está inexplicado: O Suicídio. O comportamento de se suicidar é contrário a ideia de sobreviver, procriar e se adaptar. Os únicos animais que se suicidam são os sociais! Sim, apesar de que não dá pra dizer exatamente que um chimpanzé se matou, no sentido literal, existem casos de chimpanzés que após a morte de um ente da "família" se tornaram deprimidos e ficaram displicentes com a alimentação e com os perigos até chegar ao ponto de morrer. Sendo assim me parece que o suicídio é algo do campo do social, e da dor de ter noção da própria existência ( algo que só está presente nos mamíferos superiores creio eu). Talvez não haja como explicar o suicídio do ponto de vista biológico: é uma morte antecipada. Se o leitor tiver uma opinião contrária ou uma explicação para isso, por favor, deixe um comentário, quero saber o que você pensa sobre o assunto. 

Thursday, October 29, 2015

Não podia ver

Como quem não quer nada...
Jeito estranho de viver... Como quem "num" quer nada.
Pode até soar depressivo, acabrunhado, escorregadio.
Mas como louco dos bão, proponho, vamos colocar o mundo ao contrário:

Porque é que o desejo, esse menino mal-criado, é que manda no mundo?
Tudo que ele vê, ele pede, num pode vê uma vitrine.
Num pode vê uma comida, num pode vê um rabo-de-saia.
Num pode ver.
Num é a toa que Édipo, aquele cabra grego, furou os próprio zóio.
Num podia ver...

Saturday, September 26, 2015

Carta de Christopher MaCandless pra Ron Franz

“Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: você deveria promover uma mudança radical em seu estilo de vida e fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.
Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito do homem que um futuro seguro.
A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências […]
Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principalmente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo ou em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de vida não-convencional.
O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está simplesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é com você mesmo […]
Espero que na próxima vez que eu o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça. Você ficará muito, muito contente por ter feito.”



Wednesday, September 16, 2015

Informação, Conhecimento e Sabedoria (2)

Parece simples diferenciar as palavras informação, conhecimento e sabedoria, entre si. Informação é dar ou receber uma notícia, acreditando piamente no que se ouve, fundando-se apenas em boatos. É um parecer entregue de maneira infundada. Conhecimento, ao contrário, é a competência em relação a um fato ou assunto. É ter experiência para dar uma informação ou notícia, ou mesmo para instruir. Sabedoria resume-se na combinação de conhecimento fundamentado com a quantidade certa de informações.

No entanto as definições acima descritas são dicionarianas e aquém da realidade entre elas. Tentei criar uma história alegórica para compreendermos sobre a diferença. Imaginem um dia nublado, com nuvens carregadas e um vento bem refrescante. Você está saindo do trabalho para almoçar, quando percebe o tempo fechado e o vento. Mas existem tantos prédios ao redor, a cidade é grande e isso dificulta saber se aquilo são nuvens de chuva ou poluição mesmo. Você pega nas mãos da loira de olhos azuis e corpo deslumbrante que você costumeiramente chama de esposa e enquanto caminha, sente um pingo, depois outro e depois de alguns segundos, mais um. Você acaba de receber alguns dados, mas sem nenhuma certeza se é ou não chuva; pode ser, por exemplo, pingos de um ar condicionado. No momento em que você olha para o céu e repara que aquelas nuvens não são provenientes da poluição, e começa então a perceber relâmpagos e sentir mais pingos, você recebe muitos dados que complementam uma informação: vai chover. O conhecimento é quando você percebe que com chuva você vai se molhar e consequentemente pode chegar ao trabalho e levar um esporro do chefe por conta disso ou, no mínimo, uma gripe como resultado provável. Isso é um conhecimento. Então você precisa tomar a decisão: corro desesperadamente no meio da chuva ou espero pacientemente a chuva minguar sob uma marquise. Sabedoria é levar tudo isso em consideração, sair na chuva, divertir-se com sua amada enquanto encharca-se com a fria chuva e depois chegar em casa e fazer amor com ela enquanto se banham por que é sábado e você não trabalha hoje. Ou seja, sabedoria é tomar a decisão certa, de maneira que haja uma harmonia entre informação e conhecimento. Na verdade, sabedoria é algo muito mais profundo.

Com todas as informações até agora, temos um pequeno conhecimento da diferença entre os termos - informação, conhecimento e sabedoria - e da importância no nosso dia a dia. Vamos partir, então, para uma visão mais profunda do assunto. Como já abordado anteriormente, estamos em uma era onde somos bombardeados absurdamente por informações: é a era da conectividade, das redes sociais, das notícias em tempo real.  Se um homem adulto por sua natureza não tem capacidade para receber e filtrar as informações de maneira adequada, imagina então uma criança ou um adolescente, ou mesmo um jovem que recebe ainda mais informações devido aos seus estudos. Obviamente, o corpo humano tem um mecanismo que permite que certos assuntos sejam assimilados muito mais facilmente por crianças e adolescentes do que por adultos, como por exemplo, as figuras de linguagem, comumente ensinadas a partir do sexto ano do ensino fundamental e da mesma maneira, isso ocorre com adultos em diferentes áreas. Ainda tem dúvidas se é fato esse excesso de informação?
Eis alguns exemplos:

- Mais de 1.000 novos títulos de livros são editados por dia em todo o mundo; 
- Uma só edição do jornal americano The New York Times contém mais informações do que uma pessoa comum recebia durante toda a sua vida há 200 anos.
- Atualmente existem mais de quatro bilhões de páginas disponíveis na Internet; 
- Estão em circulação mais de 100 mil revistas científicas no planeta;
- Mais de 3 bilhões de pessoas usando a internet no mundo;
- Quase 1 bilhão de websites;
- O facebook tem quase 1.5 bilhões de usuários, e o twitter, mais de 329 milhões de usuários.
(Esse site é impressionante, e nos mostra os números em tempo real: http://www.internetlivestats.com/).

Mas o cerne da questão é o que acontece com todo esse excesso de informação: segundo o psicólogo David Lewis, "o excesso de informação paralisa a capacidade analítica e aumenta dúvidas e ansiedades; ainda, descreve que a sobrecarga de informações pode gerar estresse, tensão, distúrbios de sono, problemas digestivos, dificuldade de memorização e irritabilidade. Quando se analisa então a passividade do homem diante da tecnologia atual, como por exemplo a internet, verifica-se que a mesma torna as pessoas ansiosas, estressadas, superficiais e com uma visão analítica pobre em relação aos impactos agregados ao seu uso." E na era da informação, assiste-se a um novo tipo de ansiedade também, a ansiedade pela informação.   
(O texto completo encontra-se aqui - http://www.ufrgs.br/psicoeduc/ed23/2012/06/16/sindrome-do-excesso-de-informacao/). 

Se conseguimos ter o equilíbrio mesmo frente ao grande número de informações que recebemos, como então transformar tudo isso em um bom conhecimento? 
Precismos filtrar, ou seja, refletir sobre o que lemos, ouvimos e até assistirmos. Se conseguirmos tornar então, essa informação útil e aplicá-las a realidade, então poderemos adquirir essa informação para posteriormente transformá-la em conhecimento. Caso contrário, nem vale a pena adquirir essa informação. A busca, seleção e leitura de informações deve ser precedida pelo estabelecimento de objetivos bem definidos. 
Elaborei algumas perguntas que certamente os auxiliarão nesse objetivo: 
- Por que eu estou lendo este texto? 
- Para que servirão estas informações?
- Qual o significado dessas informações no meu contexto de vida ou profissional? 
- Como e com o que posso associar estas informações de forma a compreendê-las com mais profundidade? 
- Como posso dar aplicabilidade prática a estas informações?

No mínimo, as respostas a essas perguntas nos ajudariam a organizar nosso tempo e nosso processo de aprendizagem. Mas também poderá ajudar a dar a noção de sentido e prioridade ao que fazemos, de forma que, certamente, passaremos a rever a quantidade e a qualidade das informações que processamos. A leitura de qualquer tipo de informação deve ser sucedida por um período de reflexão quanto ao significado do material lido. O processo de reflexão exige análise, associação, contextualização e síntese, de forma que ele pode proporcionar não só a criação de conhecimento original, como também auxilia o processo de fixação mnemônica do conteúdo. Sem isso, teremos a sensação de estarmos “absorvendo” muito, mas na verdade, estaremos aprendendo pouco. 

Agora que estamos munidos de informações suficientes sobre o tema, e conseguimos transformar tudo isso em algum conhecimento útil, vamos a última parte da dissertação: como transformar o conhecimento em sabedoria? Sabedoria é intimamente ligada ao conhecimento? Como obter sabedoria?

Respostas no próximo - e útimo - texto da série.
Senão ficaremos com um excesso de informação.
Hahaha. 

André Reis

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André Reis é aficionado por cinema, baterista por terapia, ama rock and roll por que é inteligente, ainda não é casado por que é meio lerdo mesmo, tem tesão por literatura, adora comer, faz academia de vez em quando e gosta de caminhadas. Ama a natureza, quer ser aventureiro mas não tem muito tempo de sobra, tem poucos amigos, e trabalha por que é pobre. Sonha em ser cineasta, diretor de arte e fotografia e casar-se com a Emma Watson. Na vida real tem mais dúvidas do que certeza, mas tem uma Certeza que é maior do que qualquer dúvida. 



Thursday, September 10, 2015

Individuação e Individualismo no mundo contemporâneo

O mundo de hoje é mais caótico que antigamente?  

Todos nós já ouvimos falar que o mundo está ficando cada vez mais individualista e caótico, que estamos cada vez mais egoístas, e que em decorrência disso estamos tendo a maior "epidemia" de transtornos mentais jamais vista em outros períodos. As estatísticas da depressão aumentam a cada ano. No Brasil por exemplo, estima-se que 10% da população sofra de depressão. Vamos analisar cautelosamente essas afirmações, e ver se são verdadeiras. Para isto, usarei um conceito particular do que é saúde mental, o conceito de Individuação, que explicarei melhor mais adiante, e foi proposto pelo autor que já venho trabalhando em outros textos, C.G. Jung. Sendo individuação o conceito de saúde que usaremos nesse texto, o conceito de individualismo será usado exatamente na direção contrária da individuação, será tratado como fator adoecedor. E para falar de individualismo, trarei três autores, que em minha opinião conseguiram captar bem o rumo da humanidade na contemporaneidade: Zygmunt Bauman, Jiddu Krishnamurti e Leandro Karnal ( brilhante historiador brasileiro).  

Qual a diferença entre Individuação e individualismo? 

O conceito junguiano de Individuação se diferencia radicalmente do individualismo, uma vez que a individuação é um processo que conduz a pessoa a se tornar singular, e o individualismo conduz a pessoa a se tornar egoísta. Que é ser singular? É se diferenciar da massa, é encontrar seu caminho pessoal, sua essência, independente do que as pessoas esperam de você, independente do que o mercado espera de você, independente do que seus pais esperam/esperavam de você. Individuação é aproximadamente o que Carl Rogers chamaria de tornar-se pessoa. É responder a pergunta básica de J.Lacan: " Che vuoi?" ( O que você quer?) O que você quer de verdade? 
"Nascemos originais e morremos copias" (C.G Jung). Nessa frase marcante, Jung coloca a individuação como uma tarefa que a humanidade não tem conseguido levar a cabo. Continuamos morrendo cópias, todos os dias. Seguimos o programa social que já estava determinado para nós, e esquecemos de olhar o que realmente é importante para nossa alma. 

O individualismo tem contribuído para que continuemos evitando a individuação. O individualismo é precisamente o que tem impedido a individuação, ele é o operador da mesmice, e para explicar isso, é preciso entender como funcionam os relacionamento no mundo de hoje. E quem tem falado sobre isso é o sociólogo Zygmunt Bauman, que vê as relações humanas cada vez mais descartáveis e líquidas. Bauman cita as “Amizades de Facebook”, que podem ser facilmente iniciadas e facilmente encerradas. Para manejar essas amizades, basta escolher conectar, e quando se quiser encerra-las basta escolher desconectar, lidar com essas relações não requer um compromisso duradouro. Na verdade, nem sequer há uma relação afetiva nesses casos, há apenas uma relação de troca momentânea (busca-se sexo, negócios, informação, auto-afirmação). Estamos cada vez mais distantes do outro. E o pior, distantes do outro que está bem ao nosso lado. Para o historiador Leandro Karnal, o individualismo de hoje beira ao autismo. E para demonstrar isso de forma bem humorada ele propõe um "experimento" do dia-a-dia. Ele diz que se qualquer um de nós chegar em casa a noite após o trabalho e disser à alguém: "estou cansado", na maioria dos casos irá ouvir: " Eu também". Ninguém irá perguntar porque você está cansado. Aliás, nossos diálogos tem sido muito assim. Cada um falando de si. Uma mulher chega e diz: " Meu filho está fazendo direito", ao que sua amiga responde: "O meu está fazendo Medicina". A noção de que existe um outro está se perdendo. Isso porque estamos demasiadamente engajados em "nossos projetos de vida". O que dificilmente nos damos conta é que esses projetos de vida não são nossos... são programas que determinaram para nós, e inclusive nos fizeram deseja-lo, como um jovem cujo objetivo único é ter um alto cargo numa empresa, mas prefere não lembrar da insônia que isso pode causar. É nesse sentido que o educador indiano Krishnamurti dizia que a mente humana está abarrotada do Vir-a-ser. Estamos sempre tentando vir a ser algo diferente do que somos, sempre querendo alcançar uma posição maior e mais privilegiada na sociedade. Quando todos desejam as mesmas coisas, podemos suspeitar da singularidade desses desejos. Quando um adolescente sonha em ir pra Disney, é bem provável que esse sonho "foi colocado" lá em sua mente por alguém, provavelmente não é um sonho original. E a prova disso é que quando alcançamos o momento tão sonhado, estamos mais preocupados em tirar fotos para postar no Facebook do que em aproveitar o momento.   

Voltemos a hipótese central desse texto, a de que o individualismo tem bloqueado o processo de individuação e singularização. vamos examinar isto. Vimos dois fatores que apoiam essa hipótese: 
1 - As relações líquidas 
Primeiro fator, o fato de as relações estarem mais líquidas no mundo individualista, é extremamente danoso para a individuação, pois esta depende de relacionamentos profundos. Uma das melhores maneiras de conhecer a si mesmo, é através do espelho da relação com o outro. 

2 - Os programas de vida "prato-feito" aos quais estamos sendo condicionados. 

Esse segundo fator é bastante óbvio. Estamos tão bitolados em cumprir os nossos objetivos na carreira e na vida social, que nos afastamos totalmente da meta da alma, a individuação. Chamo esses programas de vida de prato-feito, porque apesar de termos a impressão de que eles são bastantes pessoais, eles são iguais aos das outras pessoas. 

Conclusão: Como quebrar essa corrente? 

Essa é uma pergunta que cada um responde por si, cada um traz as soluções que lhe são possíveis. Não existe uma fórmula, mas se estamos realmente convencidos das mazelas do individualismo, achar-se-a uma maneira. Ou, se não estamos convencidos disso, podemos continuar com ele. Os textos onde compartilho meus pensamentos com o leitor são apenas hipóteses, esboços, não há nada conclusivo, nem mesmo o parágrafo de conclusão. Contudo, se me permite sugerir um bom lugar para começar a quebrar essa corrente, pode-se começar pela escuta, ouvir o outro. É um bom começo.

Apesar de todas as calamidades demonstradas, em todo esse texto não há evidencia de que o mundo está mais caótico do que antigamente. Criamos problemas para o mundo,  mas também conseguimos resolver alguns dos problemas de antigamente. É hora de colocar os ganhos e perdas na balança para avaliar o mundo que nos cerca. 

Friday, September 4, 2015

Psicologia analítica, Fascinação pelo oriente e Meditação

Desde muito cedo C.G. Jung se interessou pelo tema da religião em toda sua amplitude, e sua obra constitui além de uma importante teoria psicológica (a psicologia analítica), um verdadeiro tratado sobre a religião. E foi exatamente por esse motivo, que desde que eu ouvi falar em Jung pela primeira vez esse autor me interessou bastante. Em especial, devido a audaciosa proposta de Jung de abranger o total da religião, e de identificar os aspectos psicológicos que estão ali presentes. E para esta tarefa, a premissa de um Inconsciente Coletivo caiu como uma luva. Sendo a religião a expressão de uma coletividade, a ideia de Jung é a de que ao analisar uma obra religiosa, ele estaria analisando também a estrutura da mente das pessoas, uma vez que existem registros que se repetem no inconsciente de pessoas diferentes nas mais diversas culturas. Esses registros se repetem porque se assentam em arquétipos, que são, por assim dizer, fôrmas nas quais se estruturam o Inconsciente. Como a ideia de redenção, de herói, de Deus Pai, de Mãe Natureza, de Extraterrestres, etc. 

A partir da ideia de que existem essas fôrmas, os arquétipos, Jung parte para se aprofundar no que seria sua grande fascinação: A Religião oriental. E é exatamente por esta fascinação, que trago aqui uma auto-análise da relevância deste tema para mim enquanto pessoa. Minhas reflexões e conclusões são semelhantes as que Jung chega a partir dessa investigação. Os princípios da não-violência, do deixar fluir, e o buscar respostas dentro de mim mesmo são características da religião oriental que já há alguns anos tem orientado minhas ações. Não só para Jung, como para muitos outros autores, a diferença entre Ocidente e Oriente está em uma diferença de atitude: extroversão x introversão. O Ocidente se orienta pelo mundo exterior, e o Oriente pelo mundo interior. Dito bem resumidamente, é isto. Sendo Jung um psicoterapeuta, e como tal, valorizava o "olhar para dentro", ele sempre reconheceu o valor do Oriente, e até mesmo sua superioridade espiritual em relação ao Ocidente. No entanto, após uma viagem para a Índía, têm-se a impressão de que Jung toma outro rumo em suas ideias, e é exatamente essa reviravolta que tem importância para mim nesse momento. Jung volta da India dizendo que há muita coisa que o Ocidente deve aprender com o Oriente, mas que não deve imita-lo. Ele aconselha o homem ocidental a buscar sua própria via espiritual, dizendo que há uma diferença estrutural entre o homem ocidental e oriental. Estaria Jung abolindo tudo que ele havia dito anteriormente? 

A resposta é não. Ele não estava abolindo, mas aprofundando. A única questão que ele de fato mudara de opinião era a respeito do homem ocidental "comum" se apropriar da religião oriental. Muitas vezes isso se dá de forma neurótica. Sendo a pessoa ocidental voltada para o exterior, o perigo que se tem, é o de ela tentar repetir apenas a exterioridade das práticas orientais. Esse risco é alto, por mais que a pessoa pense que está indo na essência do que é oriental, toda sua cultura e suas raízes estão fincados no ocidente, e isto tem de ser respeitado. O fato é que a globalização aproximou culturas muito diferentes, e agora temos de lidar com isto. Nesse processo de miscigenação, temos alguns resultados bastante interessantes como a Yoga por exemplo, que encontrou expressão significativa na pessoa ocidental. Mas a maioria das práticas orientais ainda não foi circunscrita pela cultura ocidental. Escolher correr o risco de estar se auto-enganando, é uma questão individual, que o ocidental que pretende mergulhar no Oriente abraça. Mas o que Jung nos ensina após essa reviravolta no seu pensamento é que as riquezas que o Oriente encontrou lá no fundo da alma humana, nós ocidentais também podemos encontrar ao nosso modo. Aprendemos com eles, mas não precisamos imita-los. O que é meditação? O que é equilibrar o Yin e o Yang? Precisamos seguir uma tradição oriental para fazermos isso? ou podemos fazê-lo simplesmente ouvindo uma boa música, indo a uma sessão de psicanálise, vendo o pôr-do-sol no mar, ou através de uma caminhada no parque?         

Informação, Conhecimento e Sabedoria (1)

"Onde está a sabedoria que nós perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que nós perdemos na informação?" Thomas Stearns Elliot

O pensamento acima pertence a um escritor extraordinário - já vencedor do premio Nobel de literatura - cuja obra é conhecida pela fusão de formas tradicionais com elementos experimentais em uma inovadora síntese capaz de inebriar os mais diferentes leitores com sua concepção tão multifacetada, por exemplo, com o livro A Terra Devastada (1922), considerado uma das principais obras da literatura moderna; há inumares representações ricas, complexas e ao mesmo tempo, inequívocas; Para T.S. Elliot, a literatura representava uma maneira única de se opor a ausência de sensações.

Vivemos em uma era onde a atualização tornou-se imprescindível e mais do que isso, o acesso a informação tornou-se absolutamente fácil, com uma produção que cresce exponencialmente a cada dia. Nunca na história da humanidade houve tamanho acesso - e produção - de informação. O que acontece hoje é que as pessoas confundem informação com conhecimento.

E confundem conhecimento, com sabedoria.

Por isso, me impressiona o pensamento descrito no título, de um escritor morto a quase 60 anos. Informação não é conhecimento, e conhecimento não é sabedoria. Sabemos que temos acesso a mais informações do que em qualquer momento da história humana. Temos habilidade de encontrar qualquer resposta factual simplesmente ao digitar uma pergunta na internet. A velocidade com que temos acesso as informações é algo que devemos ter em mente enquanto vivemos nossa vida, enquanto gastamos o tempo que nos é dado.

Explico:

Quando a calculadora eletrônica foi inventada, muitos reclamaram que os filhos não aprenderiam matemática e que a próxima geração de físicos estava fadada a não existir. Hoje, as pessoas reclamam que não sem lembram mais de números, endereços, fatos. Existe alguma verdade nisso, obviamente. Se houve alguma perda para a humanidade - o que parece verídico - não argumentarei contra. Mas há benefícios, logicamente, apesar de mudar a visão de quem somos. Há uns 150 anos, quando o telégrafo surgiu, muitos afirmaram que aquela tecnologia aniquilaria o tempo e o espaço e criaria uma comunidade global, assim como a internet agora. Por isso, é importante que saibamos que nossos ancestrais também ficaram atônicos com as tecnologias que surgiram em sua época, mesmo quanto estamos maravilhados com as ultimas tecnologias.

Outro bom exemplo: O projeto Genoma é um esforço científico que tem amealhado conhecimento com maior velocidade do que nossas mentes podem processar. Esse esforço global para mapear e sequenciar todos os genes (entre 20 e 25 mil) do corpo humano pressagiam implicações para o tratamento e a prevenção de doenças. Contudo, com o surgimento de tais informações somos confrontados com questões de bioética que surgem mais rapidamente do que suas respostas.

Não conseguimos filtrar a esmagadora parte dessas informações. E não há problema nisso. A questão aqui é que o excesso de informação pode ser tão ruim quanto a ignorância. Há alguns meses uma pesquisa - conduzida pela conhecida Universidade da Califórnia, em San Diego - revelou que os americanos consomem quase 35 GB de informações por dia. A mesma pesquisa revela que os americanos consomem informações durante ao menos 12 horas por dia. Nota-se com isso, um lado adverso onde as pessoas se tornam dependentes de informação. E enquanto buscamos conhecimento útil, podemos se perder em uma cegante nevasca de dados. Por exemplo, enquanto procuramos informações e conhecimentos através de um buscador - Google por exemplo - podemos nos deparar com pornografia, desinformação e todo tipo de má instruções.

""Salomão era um homem com rico - era um rei - com um harém com as mulheres mais lindas imagináveis, tinha tudo do melhor, tudo que queria estava ao seu alcance. O mesmo rei escreveu o seguinte:

"13 Bem-aventurado o homem que acha sabedoria, e o homem que adquire conhecimento. 14 Porque melhor é a sua mercadoria do que a mercadoria de prata, e a sua renda do que o ouro mais fino.15 Mais preciosa é do que os rubins; e tudo o que podes desejar não se pode comparar a ela."  Provérbios 3:13-15

Em seu livro, através de provérbios e parábolas, Salomão nos conduz além daquele lema tão comum de que "sabedoria é a experiente arte de utilizar o conhecimento para atingir um objetivo desejado."" (*1) A incontrastável complexidade da mente humana, que não pode ser completamente descrita sequer por ela mesma, pode, no entanto ser resumida a apenas três palavras: Informação, conhecimento e sabedoria.

É muto difícil explicar o que é sabedoria, pois algumas respostas e ações podem levar a qualquer um a ser tido como um ser de grande sabedoria, basta percebemos o que Deus ao perguntar a Salomão o que ele gostaria de receber por suas obras, respondeu de imediato o que queria - sabedoria - e se transformou no homem mais rico da história.

No próximo texto, meditaremos um pouco sobre a diferença entre Informação, Conhecimento e Sabedoria.

Até breve,
André


(1) - Mart de Heerman - Pensando Sobre, pág. 75




Thursday, August 6, 2015

Porque vegetarianismo? Prós e contras

Apesar de eu ser declaradamente vegetariano, tentarei fazer jus ao nome do blog, e apresentar os paradoxos do vegetarianismo, bem como seus prós e contras.

Vou começar com os contras...
Argumentos em favor do consumo de carne

Um argumento comum, e que pretende invalidar o vegetarianismo é: bem, pra começo de conversa os animais carnívoros existem! Leões, Tigres, Onças, Crocodilos, Aves de rapina e a maior parte dos tubarões são animais estritamente carnívoros. A vida para eles só é possível porque se alimentam da carne de outros animais. Isto faz com que a cadeia alimentar seja algo de natural, brutal, violenta, mas que é assim, não cabe ao ser humano interferir, a morte faz parte do processo.

Argumento número dois: " E as plantas, vocês vegetarianos não as consideram vivas? Não é igualmente errado comê-las?". De fato as plantas são seres vivos, que nascem, crescem e morrem. É verdade que não há indícios de que elas sentem dor, mas há um certo "comportamento" das plantas que demonstra sua luta pela sobrevivência, como buscar a luz ou crescer a procura de nutrientes no solo. E além do mais para que servem os espinhos dos vegetais senão para se defender?

O terceiro argumento que eu enquanto vegetariano mais escuto é: "A carne é rica em nutrientes, o corpo pede a carne." Em relação a esse argumento, eu diria que ele é uma meia-verdade. De fato os alimentos de origem animal são as melhores fontes de proteína por exemplo, uma vez que eles oferecem a proteína completa ( com seus 8 aminoácidos), mas não significa que sejam as únicas fontes.

Para finalizar a defesa do carnívoro, poderíamos dizer que a vida merece ser vivida com prazer. E o comer carne seria uma prática hedonista de alto valor gastronômico, e que é tolice abrir mão desse prazer. A gastronomia em primeiro lugar. Nesse ponto de vista, ser vegetariano é se limitar, é restringir sua alimentação e suas possibilidades de aproveitar a vida.

Agora que já tive a decência de apresentar o lado onívoro, introduzirei um pouco sobre o vegetarianismo, para que o leitor possa entender o que se passa na mente de um vegetariano.

Os vegetarianos costumam dizer que há dois motivos para pessoas continuarem comendo carne: 1 - Prazer; 2 - Cultura. O ser humano evoluiu comendo carne, isto se tornou além de algo natural, um hábito enraizado profundamente na cultura. Apesar disso, nas últimas décadas, cada vez mais pessoas vêm se tornando vegetarianas, porque? Freud explica: com o avanço da civilização, o instinto tende a ser controlado, e sublimado para outras atividades. É exatamente isso que está acontecendo. A violência típica da vida selvagem, não é permitida na civilização. No mundo animal há estupro, escravidão, assassinato, canibalismo, parasitismo e predadorismo. Mas o código de ética do ser humano deve se basear no comportamento selvagem?

Argumentos em favor do vegetarianismo


Primeiro argumento: futuramente explorar e matar um animal inocente será crime. Lutar pelo fim dos abatedouros é como ser o abolicionista da época da escravidão. Vou resumir a vida desses escravos para o leitor: Apesar de serem seres com emoções complexas (já que a palavra animal pode significar dotado de anima/alma), esses escravos são vistos como coisas. Eles já nascem com a data marcada para morrer. Neles são injetados hormônios para crescerem mais rápido. Muitas vezes são confinados em ambientes pequenos onde eles devem comer muito, e crescer o mais rápido possível. Sofrem maus tratos constantes, já que são meros objetos de consumo. No abatedouro, frequentemente são pendurados de ponta cabeça, enquanto são assassinados em série, e feridos sangram até a morte. Percebe-se aqui não só que o ser humano sente prazer em matar e agredir ( vide caça esportiva), como também que construiu uma indústria em torno disso!

O segundo argumento segue por uma vertente menos emocional e mais lógica. A ecologia.  E isso não sou eu quem digo, é a ONU! A dieta vegetariana reduziria consideravelmente a devastação do homem sobre a natureza: http://portugalmundial.com/2014/03/onu-recomenda-mudanca-global-para-dieta-sem-carne-e-sem-laticinios/

Além disso, é possível demonstrar por A + B, que a dieta vegetariana acabaria com a fome de seres humanos no mundo! Para se produzir 1 Kg de milho, soja ou trigo se gasta dez vezes menos recursos do que para se produzir 1 Kg de carne, além de gastar 20 vezes menos água!! Se o milho, soja e trigo fosse utilizado para alimentar pessoas, ao invés de ser utilizado para alimentar animais que futuramente serão abatidos para alimentar pessoas ( que contradição), certamente não teríamos fome no mundo. 

Por fim, o último argumento é em relação a saúde. Vegetarianismo é não só possível em termos nutricionais ( os vegetais possuem ferro, proteínas, fibras, omega-3, vitaminas, e tudo que o organismo precisa) como também é muito saudável. Essa dieta previne obesidade, diabetes e todos tipos de complicações cardiovasculares. Além do fato de que vegetarianos praticamente não tem colesterol.

Expostos os dois lados da moeda, gostaria de salientar que a discussão entre essas partes, dificilmente chegará à algum lugar. O onívoro não será convencido a se tornar vegetariano através de ataques dos vegans, e nem o vegetariano convicto será levado a comer carne após uma discussão dessas. Mas acho válido aconselhar a quem se interessar, que investigue sobre o tema do vegetarianismo, que pode trazer coisas novas e interessantes.

Também acho importante comentar que alguns argumentos tolos de ambos os lados deixaram de ser trazidos ao longo do texto. Entre eles, o de que é da natureza humana comer carne e assim ele deve permanecer, ou o argumento igualmente tolo de que o ser humano é originalmente vegetariano. Nesse ponto, cabe a célebre frase de Sartre: "Não existe natureza humana, e sim Existência humana".

Friday, July 24, 2015

Relacionamento, Poder e Igualdade

Muitas pessoas falam em mudar o mundo, mas como proceder para isso? O que quer que se queira mudar na qualidade de vida neste planeta, é no que está em seu alcance mais imediato que o indivíduo pode atuar. E o que está à seu alcance são quatro coisas que não se separam: Sua mente, seu corpo, seus relacionamentos e seu ambiente. Nesse texto, falarei mais a respeito dos relacionamentos, por ser, por si só, um assunto muito vasto. Isto não significa que cuidar do corpo, do ambiente e da mente não tenha importância, mas sim que esses quatro fatores trabalham juntos. 
Sabemos que no mundo em que vivemos os relacionamentos são repletos de uma série de mazelas, entre as quais, posso citar, exploração, disputa de poder, inveja, ciúmes, autoritarismo e desigualdade. Estas últimas palavras: "autoritarismo e desigualdade" são o X da questão.
Os seres humanos ao se relacionar uns com os outros estão com frequência tentando se colocar como superiores, impondo sua vontade, fechados para a opinião do outro, e tentando controlar a relação. E tudo isso é mascarado através dos valores e crenças, que distorcem a realidade a tal ponto de a pessoa considerar que uma relação desigual é justa. Vamos examinar mais de perto onde começa esta relação desigual... Sua origem é o autoritarismo. e o autoritarismo começa na família, a principal célula da sociedade. Gostaria de não precisar utilizar o termo da moda: patriarcal, mas esse uso se faz necessário. A família é patriarcal, e isso por si só é gerador de desigualdade. As crianças são educadas para serem como os país, há pouco espaço para elas serem elas mesmas. A curiosidade inocente e alienável das crianças ao se encontrar com uma mistura de autoritarismo e amor, logo se torna condicionamento. Os pais se utilizam dessa poderosa combinação: Castigo e Afeto, eis o método utilizado para despersonalizar as crianças! 
A relação conjugal, por sua vez, também não é menos desigual. As coisas tem mudado, é verdade. A mulher  tem se emancipado, mas a herança patriarcal ainda é grande. O homem, educado para ser o rei, não entende porque a mulher não é mais submissa. E a mulher certamente se vinga desse autoritarismo, através de suas armas mais espinhentas: palavras e frieza. E o que ambos tem em comum? O fato de querer o outro a sua maneira. O outro é percebido como apenas um detalhe. Relaciona-se com a imagem que se criou da pessoa, e não com a pessoa real. No começo essa imagem é idealizada, no período em que os amantes estão sobre efeito da chamada paixão, momento em que projetamos aquilo que nos falta no ser amado. Depois, começa a tragédia... Então, neste ponto, há a percepção de que há algo muito errado com aquela imagem criada?... Nem sempre, o mais comum é ocorrer de a pessoa dizer que ha algo muito errado com o cônjuge real.
Na sexualidade, é onde talvez esse fatos se manifestem com maior intensidade. Há uma objetificação do outro, e uma repercussão clara dessa disputa de poder se faz notar. Sexo é um ato político. Relacionamento é um ato político. Estas são as mais simples formas de revolução. Não é preciso necessariamente pertencer a um partido, não é preciso seguir um líder, não é preciso necessariamente ir às ruas e reunir as massas. Não estou desmerecendo essas formas de protesto, apenas estou afirmando que elas não são as únicas. 
E estou afirmando também que seguir um líder político envolve o risco de cair no velho autoritarismo. A psicologia das massas e a história nos mostram o poder que um líder autoritário tem de convencer pessoas comuns como eu e você à praticar barbáries. Se alguém tem dúvidas disso, confira o polêmico experimento da Psicologia Social de Stanley Milgran (1963): https://www.youtube.com/watch?v=VT3wKbBNo64
Nesse ponto, eu acho importante trazer a diferença entre o ato de liderar e o autoritarismo. Não há mal nenhum em liderar, o problema é quando as lideranças se cristalizam. Por exemplo, quando eu estou ensinando alguém a tocar violão estou liderando a pessoa para que ela aprenda a tocar, mas isso não faz de mim o líder absoluto dela. Isto é pretensão dos sacerdotes. Pretensão letal para a autonomia das pessoas, diga-se de passagem. Portanto, é natural que cada individuo tenha um gosto diferente, e que cada individuo tenha aptidão para algo diferente, o perigo esta quando em uma relação à vontade de um se imponha sobre a do outro e essa relação de poder se cristalize. O mesmo vale para sexualidade, por exemplo. Cada um tem sua posição sexual predileta, o problema é quando num relacionamento amoroso determinada prática que é mais vantajosa para um se cristalize. 
A esta altura do texto, fica perceptível o tamanho do desafio que temos aqui exposto para se chegar até aos relacionamentos de igualdade. Trata-se de encontrar em cada relação o equilíbrio entre as forças que estão em jogo, pretendendo-se uma distribuição igualitária do poder. Isso envolve não aceitar a autoridade, e cuidar também para não ser uma autoridade. Nessa explanação propositalmente não entrei no mérito da desigualdade social, pois acredito firmemente que uma mudança nos relacionamentos interpessoais é uma fortíssima alavanca capaz de engendrar a mudança social mais ampla. Por fim, meus agradecimentos ao livro "Utopia e Paixão" ( Roberto Freire e Fausto Brito), de onde foram retiradas parte dessas idéias.

Wednesday, July 15, 2015

FRASE PARA REFLEXÃO

"Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento?"
                                                                                                      T.S. Eliot

Tuesday, July 14, 2015

Parte 01

I

Sabe qual é o problema? As pessoas simplesmente não ligam. Quando não odeiam, simplesmente não ligam, não há uma mínima preocupação com o que acontece ao seu redor. Preferem ser indiferentes em seus próprios entendimentos, em sua própria cobiça. Eu sempre gostei de reparar nas pessoas e é incrivelmente verdadeiro como os rostos das pessoas conversam sem, sequer, uma única palavra. O que é engraçado – e algumas vezes, arrepiante – é observar a reação das pessoas quando uma notícia ruim sobrevém, ou quando uma coisa boa acontece inesperadamente. É intenso observar, por exemplo, uma mulher que acaba de saber de sua gravidez quando o médico já havia lhe dito para conformar-se com seu único filho de treze anos, ou então optar pela adoção. E assim, do nada, o médico diz as boas novas deixando-a inacreditavelmente perplexa. Lagrimas saem naturalmente acompanhando um sorriso assustado e nervoso, que logo dá lugar a uma deliciosa gargalhada e gritos de felicidade, junto com abraços, beijos e afagos. É quase mágico. Amedrontador é observar a reação de um estuprador que, friamente, confessa um crime terrível ocorrido há apenas alguns meses. Ele simplesmente se manifesta, contando detalhes horríveis e sujos que ninguém sabia de sua vida, mas seus olhos exibem uma calma inimaginável. Sua respiração é pautada, tranqüila, como se estivesse contando uma história fictícia, como se ele fosse o mocinho. A sua reação é tão terrível que ele deixa suas emoções fluírem naturalmente, e até esboça um sorrisinho de canto de boca, quando fala nos detalhes e pronuncia palavras como “foder”, “amedrontado”, “fraco”, “indefeso”. Parece estar se divertindo, enquanto as poucas pessoas ao seu redor estão simplesmente petrificadas. Ele não repara, mas um deles está chorando, simplesmente derrubado, dolorido até a alma por escutar sua confissão. Mas o mal continua dentro das pessoas e em muitas vezes, disfarçando-se do bem, do politicamente correto. Meu Deus, quantas vezes eu vi o mal disfarçado de liberdade, de preconceito, de diversidade. Você simplesmente olha as pessoas com muita atenção, bem fixamente nos seus olhos ,e por um instante, você percebe qual a realidade da vida: não há no mundo mal maior do que aquele que jaz dentro de todos os homens. 


Mas eu sou um observador; então eu sempre tentei imaginar a minha reação antes de certos fatos acontecerem. Como um otimista, comecei a imaginar quando determinados fatos simplesmente pousam de uma maneira inesperada em nossas vidas, tocando nosso ponto mais fraco, e todas às vezes eu acreditei que as pessoas – mesmo que fossem unicamente as próximas – reagiriam de uma maneira, no mínimo, com um sentimento de assistência. Mas as pessoas – salvo raras exceções – não querem apenas tocar no seu ponto fraco, observar sua reação e ajudá-lo da maneira que for possível. Elas não querem saber o porquê do ponto fraco ou do nosso comportamento conseqüente. 

Não.

Elas simplesmente não ligam. A indiferença destrói tantos com tanta facilidade quanto o ódio. Quantas vezes, quantas vezes meu Deus! Você faz revelações que lhe são muito difíceis e as pessoas te olham de maneira esquisita, sem entender nada do que disse que eram tão importantes que você quase chorou quando estava falando. Elas querem martelar isso em você. Querem fazer com que você se sinta culpado, inferior e miserável; e se deleitam quando observam sua autocomiseração. Elas arrastam você para baixo. A verdade é que é muito mais fácil apontar e rir, ou mesmo ser indiferente, do que usar seu tempo com alguém desconhecido. Então o seu segredo fica lá guardado, na escuridão, trancafiado. Não por falta de um narrador. Mas por falta de alguém que compreenda. E eu vivi tão proximamente a essa podridão moral e espiritual das pessoas, mas convivi também com outras que tinham um dom, uma dádiva: Mesmo não compreendendo, elas faziam questão de estar presente, de escutar seus problemas, de amar quem você realmente é, de amar aquela criança indefesa e inocente que nunca deveria ter dado espaço para aquele adulto miserável. Mas, meu Deus, são tão poucas, tão raras, e às vezes as alguns esperam angustiadas, durante uma vida inteira, por pessoas assim. 

(...) Continua.

Sunday, July 12, 2015

O "Livre arbítrio" - Criadores de circunstâncias ou produtos das circunstâncias?

         Há muito tempo que pondero sobre as falácias e dilemas que envolvem teorias que citam o assunto do "Livre arbítrio". Resumidamente e simplificadamente, o livre arbítrio seria a crença de que os seres humanos tem total controle sobre suas ações: a chamada "escolha". Mas há muitos dilemas envolvendo teorias que apoiam esta crença. O primeiro deles é que, empiricamente, se percebe que o ambiente afeta as decisões tomadas pelas pessoas. Pessoas pobres roubam mais, pessoas depressivas e ansiosas tem mais vícios em drogas, pessoas tem reações extremas depois de sofrerem certos "traumas psicológicos". Ou seja, acreditar num livre arbítrio pleno seria ignorar toda a prova empírica observável a qualquer um envolvido na sociedade. Experimentos realizados por nazistas e realizados espontaneamente em presídios também demonstram o quanto o poder de escolha é limitado às experiências e aos ambientes aos quais os seres humanos em questão foram submetidos.

         No entanto, a crença de que as escolhas são totalmente induzidas pelo ambiente ao qual o indivíduo é submetido também encontra diversos problemas. Filósofos existencialistas e psicólogos contemporâneos, como Sartre e Viktor Frankl já perceberam que existe muito mais na escolha realizada por um indivíduo do que meramente o resultado de certas variáveis. Por que determinados indivíduos no campo de concentração de Auschwitz continuaram de cabeça em pé, tentando encontrar um sentido para sua vida, ao invés de desistir, como outros fizeram? Por que gêmeos idênticos, com experiências muito semelhantes de vida, podem fazer escolhas tão distintas? Existe muito debate e nenhuma conclusão acerca desse tema. No entanto, para mim é claro que existem dois "espaços psicológicos" que nos ajudariam a entender melhor esta questão e, talvez, encontrar uma resposta intermediária.

Podemos definir o microespaço como o espaço onde as coisas realmente acontecem: seria como a física quântica. Seria o espaço onde realmente o ambiente e experiências tem grande influência em nossas decisões, e onde outras variáveis indecifráveis até este momento influenciam nas tomadas de decisões. Este espaço é incompreensível em sua totalidade, e além de utilizar evidência empírica como provas estatísticas, ainda não podemos levar seus dados muito a sério.

Já o macroespaço seria como a física newtoniana: ela não é uma definição da realidade; antes, é uma abstração imensa dos fatos, mas funciona para explicar grande parte dos fenômenos materiais matematicamente. O macroespaço seria a tomada de decisão feita pela pessoa, sem levar em consideração fatos anteriores que ela possa ter experimentado que a levaram a escolher por uma ou outra decisão. Seria o espaço da definição do "Eu", e da tomada de responsabilidade. Quem fez essa escolha fui eu, e eu tenho que tomar responsabilidade por isso, arcar com as consequências dessa decisão. Nesse espaço, o ser humano é, sim, criador do seu destino, e o livre arbítrio existe.

E de que serve isso? Todas as crenças religiosas que conheço acreditam em destino, de uma forma ou de outra. Cristianismo e Islamismo nem sempre pregam a predestinação (Apenas algumas linhas de ambas as religiões), mas a mera crença de um Deus onisciente e onipresente pressupõe a crença de um destino pré-fixado. Crenças de origem oriental costumam utilizar valores semelhantes ao Karma ou ao Tao em quase todas as suas formas. O que me diz uma coisa: a humanidade sempre acreditou, de uma forma ou de outra, que suas escolhas não importam. Que existe algo superior que já definiu como as coisas acontecerão, que somos impotentes para moldar nosso destino. De certa forma, linhas behavioristas da psicologia são uma evolução desses pensamentos religiosos para dentro do campo científico.

No entanto, apesar de ter sido uma constante no pensamento religioso e bastante predominante no pensamento científico a impotência do ser humano enquanto criador de seu destino e de suas decisões, sempre existiram pessoas, pensadores, poetas, cientistas, teólogos, em todas as épocas, que acreditaram que o ser humano é, sim, capaz de criar suas decisões. De moldar seu destino. De não ser um produto ou uma criatura das circunstâncias, e sim de ser o criador das circunstâncias. E o mais interessante: este tipo de pensamento esteve, por muitas vezes, inserido na ideologia de pessoas de "sucesso" (Escreverei alguns pensamentos sobre a definição de sucesso num post posterior. Por enquanto, vamos assumir que ser alguém de sucesso é ser alguém que consegue realizar objetivos colocados para si próprio), como Thomas Edison, Leonardo da Vinci, os Médici, Hitler, Gandhi, entre outros. Percebam que não estou colocando exemplos necessariamente de pessoas que fizeram coisas boas, mas que obtiveram sucesso em realizar o que tinham como objetivo.

Portanto, talvez acreditar, dentro do macroespaço psicológico, que sou capaz de tomar minhas próprias decisões e, assim, moldar meu destino, apesar das circunstâncias, pode ser um ingrediente fundamental para completar qualquer objetivo, por mais que, internamente, no microespaço, saibamos que nosso "livre arbítrio" é bastante limitado. Digo TALVEZ, por ser uma reflexão. Digam o que acham =)

Thursday, June 4, 2015

A volta do que não foi

Amigos, quero muito voltar a postar aqui. Mas preciso me reacostumar a escrever, há muito não escrevo por hobby. Mas agora estou com tempo novamente, e em duas semanas, entro de férias da faculdade, então voltarei a postar de vez. Até lá, deixo um micro-conto que escrevi há muito tempo, mas que ainda me traz muitos sentimentos á tona.

Passeio Matinal

"Cacete de agulha!" - Anônimo no youtube

Quero um buraco.

Um buraco bem grande.

Aliás não. Quero um buraco pequeno e aconchegante, um que seja da exata medida.

Mas não existem buracos de exata medida, pensei com desgosto.

Um buraco imaginário então, foi o que comecei a elaborar. Fechei os olhos até que finalmente, oh! bato sete palmas de alegria e estremeço de prazer. Este é o buraco exato. Aconchego-me com ternura e potência dentro de minha caverna escura, minhas quatro paredes de plenitude e solidão. Uma voz baixa, no entanto, me chama. Uma voz fraca e débil, como um pequeno pássaro de asa quebrada. Inquieto-me e irrito-me com a perda súbita da pseudo-epifania vigente. Abro os olhos então e, como Adão, sinto vergonha de minha nudez. O horror toma conta de minha mente, só quero voltar para o buraco.

- Venha, diz uma voz autoritária, venha, diz outra vez. A janela me chama, busco a impossibilidade de repetir o fenômeno da quietude do prazer. Da solidão. Percebo-me hipnotizado e guiado pela voz, até que o pássaro parece recuperar suas asas e, com muito esforço, grito: Não! Não, não, não! Levanto-me da cama bruscamente. Estou atrasado para um compromisso! Pensei, fingindo-me esquecer de tê-lo cancelado previamente. Agarro-me com todas as forças a esta desculpa e saio de casa, inseguro ainda. Perco-me em labirintos e bosques, e logo percebo-me passeando entre corredores tranquilos no largo do campo grande.

        A paisagem me é familiar e sinto-me protegido de algum modo. Foi quando percebi, com súbito horror e surpresa, que o único que chegava perto de me compreender era o meu eu. Ele era o único para quem eu existia. Mas como podia ser, que poderia querer eu com meu eu? Meu eu fraco, covarde, repleto de absolutos. Só poderia querer mesmo racionalidade, e olhe lá! E logo agora que eu havia finalmente adquirido controle sobre meu corpo e mente, agora que a besta adormecida soltava suas amarras como o pássaro débil que ganhara asas, logo agora, a luz incide sobre este fato inquietante.

        Mas como o tempo passa! Pensei distraído, notando a mudança no ambiente ao meu redor. Percebo-me num ônibus lotado, passando pela Barra. As ondas do mar parecem refletir minha alma de forma incômoda. Sou como um pequeno peixe, pensei, que insiste em ser peixe ao invés de deixar-se ser mar. Em ser algo e não em ser, só. E ainda luta com bravura contra as ondas! Entre as cabelos ondulados à minha frente e o mar, percebo uma enorme distância. Então é por isso que as pessoas fazem. Ser é difícil, e, principalmente, muito perigoso. Fazer é fácil e confortável. Mas que havia eu de me preocupar,  afinal? Tinha pouco mais de vinte anos, somos tão jovens. Há muito para se fazer na vida. O ser, deixamos pra lá, não tem importância, este nós deixamos para os filósofos e poetas, e todos sabem que fim tem os filósofos e os poetas. Mas será que fui escolhido? Se o tiver sido, não tenho escolha. Posso lutar contra marolas mas não contra a imensidão do mar. Só o buraco é livre dos signos. Ah, como o buraco me fascina, me atrai e me enoja, pensei com asco. Asco de quê? Não sei. De ser, talvez, ou será medo? Cacete de agulha.

Wednesday, June 3, 2015

A LISTA

— Cara, mas a bíblia é muito doida. Fica falando de graça, perdão e reconciliação, de um Deus amoroso e tal. Mostra Jesus perdoando todo mundo, a torto e a direito, com aquela frase tipo, "alguém te condenou? eu também não te condeno" e essas coisas todas. Aí, do nada, aparece uma lista de condenados, gente que não pode entrar no Reino de Deus. Tem de tudo lá, mentiroso, ciumento, fofoqueiro e sei lá mais o quê. É uma loucura isso.


— O que gera tanta confusão é o histórico, meu velho. A gente tá imerso em dois mil anos de cultura cristã. O ocidente todo está. Não tem um que se escape. Dois mil anos de rituais, doutrinas, hierarquias e medos. A gente já lê a bíblia condicionado. Até ateu faz assim, porque cristianismo não é só religião, fé, crença; cristianismo é cultura ocidental. O que nos chama a atenção é o que a igreja oficial gritou do alto dos púlpitos esse tempo todo. E a mensagem oficial é política. Tem a ver com controle de massas, com jogos de poder, com grana, com vaidades de todo tipo. Os dois mil anos de discurso oficial nos tornaram cegos para o fato mais assombroso da mensagem bíblica. O que não somos mais capazes de ver é que a bíblia é toda ela subversiva. Mas é um livro inserido na história e que precisa ser lido entendendo esse vínculo profundo de cada parte dela com o tempo em que foi escrito. A lei de Moisés era um grito de justiça e igualdade atravessando a opressão das lanças e escudos da idade do bronze. Séculos depois os profetas levantam a voz relendo a lei sobre novos olhos, reinterpretando a lei e confrontando reis e sacerdotes. "Misericórdia quero e não sacrifícios", é a reformulação do grito da lei para uma nova geração. Jesus lendo Isaías na sinagoga é o novo grito, agora encarnado, agora definitivo.

— Mas a lista de condenados é posterior a Jesus.

— É verdade. Mas veja bem. A história da bíblia é a história das interpretações humanas a respeito da revelação discreta de Deus na alma confusa do homem. Primeiro Abraão, depois Moisés, depois os profetas, cada um reinterpretando e resignificando a mesma mensagem de graça, perdão, reconciliação, de um Deus amoroso, como podia, a seu tempo. Aí vem Jesus, o Emmanuel, o Deus conosco, a encarnação desse Deus que vinha sendo interpretado durante toda história. Depois de Jesus, começa tudo de novo. Novas interpretações e resignificações dessa mensagem, com a diferença que, agora, a mensagem é observável, tem carne e osso. Mas as reinterpretações prosseguem. Paulo e Tiago, por exemplo, reinterpretam-se a tal ponto que um parece contrariar o outro às vezes. Lutero queria tirar a carta de Tiago da bíblia porque ele reinterpretava e resignificava Paulo. Mas mais do que isso, Paulo reinterpreta e resignifica a si mesmo em diferentes situações. Num momento somos todos iguais e já não há judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher - coisa que é subversão ainda hoje, imagine na época - em seguida as mulheres devem se calar porque não é bom que falem em público.

— Mas e a lista?

— Não há uma lista de condenados, amigo. Pelo menos não como você imagina. Você lê como se houvesse porque lê a partir da cultura cristã de dois milênios. Para Jesus a coisa é simples. O Reino de Deus é como um rei que queria cobrar as dívidas dos seus súditos, é o que diz aquele contador de histórias. Porque, não custa lembrar, a bíblia é essencialmente um livro de histórias, e histórias tem muito mais a dizer do que doutrinas a ensinar. O Reino é como um rei que, para cobrar uma dívida, chama um súdito sabendo que o que ele deve é muito maios do que jamais poderia pagar. É o reino de um rei que vê o súdito olhar nos seus olhos desesperado porque sabe não ter como pagar, e crê que há uma pena natural para quem não paga. Mas é, acima de tudo, o reino de um rei que com voz mansa e olhar amoroso derrama graça, perdão e reconciliação sobre o devedor. Anula o débito. Já não há nada a ser pago. Assim é o Reino de Deus, é o que afirma Jesus em sua parábola. Acontece que o súdito perdoado também tem alguém que deve a ele, e a história prossegue. E do ponto de vista desse súdito, perdoar não é algo aceitável. Ele aceita o perdão, mas não perdoa. Receber e admissível, mas oferecer é ofensivo. O sujeito manda prender seu credor e executar a dívida. Mas o reino é lugar de perdão, graça, amor e reconciliação. Essa é a mensagem. É lugar de perdão e graça mútuos. Basta ao discípulo ser como o mestre é o mesmo que dizer basta ao súdito agir como o rei. A sua confusão, amigo, é entender que a lista de condenados indica gente que não pode entrar. Não é isso que indica a lista. O ambiente do Reino é perdão, graça e amor. Essa é a atmosfera, o ar que se respira nesse Reino. Esse é o reino sussurrado em toda bíblia, de capa a capa. A lista não indica quem não pode. Indica quem não quer.

Do brother Tuco Egg - atrilha.blogspot.com - um dos melhores blogs da atualidade, sem exagero nenhum!

Tuesday, June 2, 2015

A morte do instante anterior

Mergulhado no momento, é ai que se pode fazer uma mudança radical no pensamento.
Mas a pessoa radical deve ser leve, sutil, para que ai não se possa achar tensão.

Momentaneamente mergulhado, é ai que se faz a imersão para renascer. 
Ressurgir depois de longas noites no inconsciente inóspito e frio.

Quem é afinal o dono da casa? Eu, o outro, Deus, ou o herói.
A casa deve estar vazia. Não há dono algum por direito.

Porque tememos tanto esse vazio, o que há ai?
Há ai um abismo sem fim, que toca a morte.

Só é preciso um pouco de paciência, 
Como distinguir o caminho certo?

Não há caminho certo,
Mas há muitos falsos.

Falsos, Lá-depois.
seja Aqui-Agora.

E tudo chega
a um fim.

Ame
mais

rip

Friday, May 15, 2015

Entrega, o ato de buscar a si-mesmo.

A coisa mais importante que o masculino pode aprender com o feminino é a entrega. Também o feminino pode aprender algo importante com o masculino: o controle. Mas já que vivemos num Ocidente Masculino, considero mais importante falar sobre o elemento feminino, para equilibrar a balança. A natureza, a união cósmica, o destino, o sagrado, são coisas que só podem ser vivenciadas se a alma está entregue ao Novo de tal forma que as amarras da tradição e do passado são totalmente desfeitas. 


Durante muito tempo, e ainda hoje, os monges, os Zen-budistas, os taoistas, poetas, artistas, e até mesmo alguns filósofos, tem falado sobre esta entrega. As mentes mais introspectivas e que melhor se conheceram parecem apontar para o que C.G Jung chamou de processo de individuação, ou encontrar a si-mesmo. O que seria isso: encontrar a si-mesmo? Para falar desse encontro, precisamos falar do desencontro que é perder-se a si-mesmo. Nascemos originais, no entanto, a forma como a sociedade está configurada nos torna mais-do-mesmo, ou como diz a música do Pink Floyd “apenas mais um tijolo na parede”. Nossos sonhos tornam-se sonhos do outro, sonhos iguais, sonhos massificados. O Ego emerge, na relação com o outro, e ao tentar evitar desagrados acaba reprimindo grande parte da nossa personalidade original e vivemos sobre a máscara da Persona, representando uma personalidade muito limitada. Se na relação com o outro, vivêssemos a angústia ela duraria pouco, mas queremos nos poupar, queremos evitar, fugir, mentir, e assim evitando encarar os fatos, prolongamos a angústia. Perder-se é portanto consequência da vida em rebanho, da massificação, dos sonhos dos nossos pais, do condicionamento, de seguir a linha. O indivíduo que rejeita essa trajetória pré-estabelecida socialmente para ele é um rebelde! Ele está seguindo o seu destino, em direção ao self (si-mesmo). Para tanto, é preciso a entrega e aceitação. Não estamos falando a respeito de aceitar as injustiças do mundo, estamos falando da entrega interior. Não maquiar as emoções, olhar para elas. Se estiver com raiva, admitir a raiva, olhar para ela. Não matar, mas admitir a raiva. É diferente. Do contrário o indivíduo não irá conhecer-se a si mesmo, e continuará projetando sua sombra no mundo e nas pessoas ao seu redor.



" As coisas que vemos são as mesmas que temos dentro de nós" ( Hermann Hesse)

Wednesday, March 18, 2015

Manifestações 2015, Eleições e Impeachment

Devido ao clima que paira no ar em todo país, me sinto impelido a escrever algo a respeito das manifestações desse ano. Tal motivação talvez tenha surgido da conversa com um senhor que me indagou se eu havia ido aos protestos de Domingo. No momento em que eu respondo que não, surge uma estranheza no diálogo com o senhor; começa-se a questionar sobre o grau de comprometimento que eu tenho com o bem-estar da população, e começa-se a repudiar minha atitude de ter permanecido em casa. Num dado momento da conversa, este senhor me pergunta o que eu tenho feito para melhorar o país. Eu devolvo a pergunta. E ele me sorri meio que querendo dizer: " Eu estava lá". 

Essa pequena cena, me fez pensar um pouco sobre o valor que essa participação política tem na vida de muitas pessoas, e sobre o porque fui rechaçado, não só nesse meu pequeno relato, mas em outros acontecimentos semelhantes também. Em verdade, a maior parte das pessoas sente que está cumprindo seu dever como cidadã e que está promovendo uma mudança no país pelo simples fato de ter escolhido entre alguns candidatos numa urna. Não vou esconder minha posição a esse respeito: é muito difícil votar. Há duas opções, o fantoche da esquerda, ou o fantoche da direita... Ou ainda... como satiriza a série South Park, há duas opções: O Sanduíche de Merda, ou o Babaca Inútil. Aliás, vale a pena lembrar que em South Park, o personagem com "traços anarquistas" Stan, foi banido da cidade por ter abdicado de seu voto. Conforme nos alerta George Carlin "de onde diabos pensamos que os políticos vêm?" Eles vêm de nossas escolas, de nossas famílias, de nossas Igrejas. Então se há algo errado com eles, é porque deve haver algo errado conosco. Nenhum político, repito NENHUM político se elege sozinho. É a população quem o elege, e as atuais  manifestações demonstram que o povo esta reivindicando seu poder. Há algo errado com o governo petista? Sem dúvidas, mas isso não significa que vivíamos as mil maravilhas nos governos anteriores. Portanto, obviamente, a reforma política tem que ser muito mais profunda do que uma mudança presidencial. Não se trata de mudar as peças, se trata de mudar o sistema. É aceitável um sistema político onde a corrupção é possível e fácil? Obviamente não. Não basta um Impeachment. Meu desprezo pela política do nosso país, psicologicamente, é tão significativo para mim quanto as manifestações para o senhor que mencionei no início desse texto. Imagine a repercussão de uma eleição onde ninguém votasse. As pessoas iriam ter que se reunir, assim como agora, para discutir o futuro do país. O voto nulo é a maior demonstração de que alguém não leva a sério a piada que está sendo contada pelos políticos. 


Outro ponto importante: Política não é um campeonato de futebol! Se você pensa que o seu partido é o seu time, bem... talvez seja um campeonato pra você. Aliás, só de você ter um partido num país como esse, talvez seja um campeonato para você. Confira nesse video o que acontece quando se trata política como o futebol:   

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https://www.youtube.com/watch?v=BNKMCVLv4Ks

Quando as pessoas tem um partido definido, o diálogo entre as partes é muito dificultado, e cria-se uma tendência a ver apenas um lado da moeda. Pelo menos é isto que tenho observado nos "devotos" dos mais variados partidos. Nesses casos, acusações são comuns, do tipo "alienado", "elitista", ou pior, "nordestino analfabeto".  


Conclusão: Os brasileiros tem todo o direito de se manifestar, e isto pressiona o governo a efetuar algumas mudanças, Entretanto, é equivocado supor que alguém que não foi as manifestações está alheio ao que esta acontecendo no país. Não fui as manifestações porque não é meu modo de agir. Acredito nas micro-revoluções tanto ou mais do que nas macro, uma pequena atitude de uma pessoa perante a vida, pode ser suficiente para colaborar com o bem-estar social, tais como honestidade e um trabalho que produz resultados sociais, por exemplo. Esta mudança individual, em larga escala, pode ter mais efeito do que as revoluções coletivas, uma vez que nessas últimas há sempre alguém tentando tirar proveito do movimento das massas. Reitero a indagação de Olavo de Carvalho: no tão bem intencionado socialismo, o militante após concluir sua revolução simplesmente irá para casa descansar e aproveitar o comunismo ou ele está em busca de uma posição de destaque e poder? ( No lugar de socialismo, pode ler-se fascismo, direitismo, ou o ismo que lhe convir).    

Sunday, February 22, 2015


Entre algumas reuniões na área central da cidade, uma cena chocou-me: meio dia e quinze - aproximadamente - um calor de 35 graus sob um sol impiedoso, algumas centenas de pessoas preocupadas justamente com seus trabalhos e  compromissos atravessando as ruas lotadas do centro da cidade quando eu vejo um homem engatinhando sob a faixa de pedestre. 
Veja bem, ele estava engatinhando, se arrastando com os joelhos e com as mãos, enquanto olhava amedrontado os carros passando a seu lado. Entre um pesado transito, dentro do meu jipe, não pude fazer absolutamente nada. 

Apenas esperei.

Esperei atentamente para que uma boa alma auxiliasse aquele homem de alguma maneira.
Mas não aconteceu nada, absolutamente nada. Provavelmente, nos 3 minutos que se passaram com aquele homem se arrastando até o meio fio tivesse passado umas cinquenta pessoas ao seu lado. Apenas olhando, julgando, ojerizando. Talvez mais.
Ninguém, absolutamente ninguém, o ajudou de alguma maneira e aquela visão me doeu na alma, principalmente por que eu também não fiz nada a respeito. Logo que passei ao lado desse homem, o reconheci: era um mendigo viciado em drogas e alcoólatra, que habita na região central da cidade há alguns meses. Seu rosto sempre muito marcado, e o cheiro fortíssimo de urina misturada com álcool e vômito acaba afastando as pessoas que podem vir a ajudá-lo. 

Alguns minutos depois de encerrar uma reunião eu estava caminhando até o estacionamento e lá estava ele: sob um acolchoado malcheiroso e manchado, ele estava deitado em um travesseiro com fronha azul e branca que contrastava com seus cabelos tão escuros e cacheados. O cheiro era muito forte, e o calor só acentuava a sensação de asco para as pessoas que passavam ao seu lado. Eu não conseguiria passar incólume. Passei devagar ao seu lado, olhando na expectativa de que me pedisse algo. 

Deu certo.

Ele me olhou indiferentemente e me pediu uns trocados. Perguntei se ele não preferia um prato de comida, por que bem perto dali havia um restaurante. Ainda indiferente, me disse que já havia almoçado mais cedo e que queria apenas um trocado.
"Bom, vou dar um trocado, pelo menos vou me sentir bem." Mas não consegui. Não queria me sentir bem apenas por dar um trocado. Ele precisa muito mais do que meu dinheiro.
"Moço, eu não te conheço, mas se precisar de ajuda, gostaria de faze-lo. Conheço um grupo em uma fazenda aqui perto, uma ONG mantida por uma igreja, que pode ajudá-lo se quiser sair do vício. Se você quiser, posso levá-lo até lá para ajudá-lo. Não quero nada em troca e você não precisa levar nada do que tem aqui. Você quer?"'
"Se tá loco (sic). Vô morrê por causa da pedra e da pinga. Tenho 36 anos (vocês não imaginam, mas parecia ter mais de 50), sô viciado em crack faiz cinco anos e bebo cachaça desde quando eu tinha quatorze. Já fudi com minha família, larguei a muié com minha filha faiz uns 3 anos e minha mãe mora na capital, mas não fala comigo faiz bastante tempo."
"Só quero tentar ajudar. Sua vida deve ter sido muito difícil, mas se você buscar no lugar certo, vai encontrar a força e a saída que precisa. E esse grupo pode ser uma maneira de voltar atrás e consertar sua vida. Você precisa querer. Pensa na sua filha."

Ele silenciou e ficou me olhando, me encarando com um rosto sério mas incrédulo. 

"Penso nela tudo dia. Mas essa desgraça não me deixa, to preso aqui por causa dessa porra de droga. Eu choro, as veiz. Mais minha vida já tá tuda fudida. Eu quiria pedir perdão pra minha mãe e minha muié, mas num tenho coragi não (sic). To com o figo (fígado) fodido, com os pulmão doído, e as veiz vejo e converso com um vulto aqui e até brigo com ele."
(Nota: depois fiquei sabendo que ele sofre com distúrbio bipolar e depois, como consequência do crack, esquizofrenia).
"Mas existem remédios para isso. Você ainda pode ser ajudado."
Nesse momento, ele ri, esfrega os olhos e insiste no trocado. Fiz uma ultima tentativa:
"Você realmente não quer ser ajudado? Existem pessoas que podem te ajudar em um local adequado para você, não aqui na rua."
"Óia guri, eu.." (Nesse momento ele começa a discutir com o vulto, se levanta e fica agitado na minha frente, como alguem que impede uma briga entre duas pessoas, mas não consegui distinguir as palavras.
Ele repentinamente se vira em minha direção e dá dois passos, com uma expressão de susto, e começa a falar apontando o dedo.
"Quem é ucê que acha que podi me ajudá?"
Olhei e antes de responder, ele colocou uma das  mãos na boca e apontou para mim, na verdade parecia apontar para alguém do meu lado. Fiquei atonito. Observei que ele, com a boca pouco aberta, parecia escutar alguém. Mas na minha cabeça, tudo era a consequência da esquizofrenia. 
Ele olhou, seus olhos antes esbugalhados, se baixaram. Ele virou as costas, e ficou olhando a propria sombra no chão.
Voltei a ele e estendi as mãos:
"E então, vamos? Deixe-me ajuda-lo."
Ele simplesmente me olhou, e disse algo com uma gramática impecável antes de gargalhar e se deitar novamente. Fui embora absolutamente pensativo.

"Eu quero é sair desse beco infinito e cinza. Desse fim de mundo onde o sol se esconde todo dia, mas nunca nasce. Mas ninguem pode faze-lo pra mim. Eu preciso querer antes de voce vir me ajudar, e hoje, honestamente, ainda nao quero. "


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Jesus nos ensinou como viver, mas agimos como se tivesse nos ensinado como pregar.

Ele veio para que tivéssemos vida, mas agimos como se fosse para que tivéssemos o discurso correto. 

Nos ensinou a servir, mas queremos convencer.

Nos ensinou a amar incondicionalmente, mas aprendemos a incluir uns e excluir outros do nosso abraço.

Foi amigo de pecadores, nós só nos aproximamos de santos.

O representante típico do cristianismo retira da boca de Jesus parte de seu mais famoso sermão e a aplica contra o mestre: vocês ouviram o que Ele disse, eu porém vos digo.