Sunday, June 24, 2012

O PODERIO ORGANIZACIONAL


Introdução       

“A história das organizações está intimamente ligada à história da sociedade humana. As organizações não são invenção moderna. Os faraós delas se utilizaram para construir as pirâmides. Os imperadores da China delas se utilizaram, há milhares de anos, para construir grandes sistemas de irrigação. E os primeiros Papas criaram uma igreja universal a fim de servir a uma religião universal “(ETZIONI, 1989). As organizações são um conjunto de indivíduos, que mesmo com suas particularidades, estão ligados por uma missão em comum.
Este trabalho tem como objetivo trazer a historia das organizações desde os seus primórdios, bem como seu desenvolvimento e adequação na atual conjuntura do capitalismo.  No estudo das organizações é sempre importante entender os contextos sócio-culturais em que elas estão inseridas, pois isso é determinante para trazer a tona suas necessidades, direcionamentos e perspectivas. Além de observar a sociedade e seus desdobramentos, este trabalho também traz a estrutura organizacional e as problemáticas modernas nas relações entre os diferentes indivíduos de uma organização; bem como um olhar para questões ainda maiores como a relação do indivíduo com a organização como um todo e o mito moderno das “organizações imortais e perfeitas”. É possível destacar ainda, os movimentos de contracultura que surgem ao longo da historia, como por exemplo, o movimento hippie; e o contexto social atual que tem levantado a questão intercultural nas organizações, devido à pequena distância que existe entre qualquer ponto do globo terrestre hoje em dia com a globalização.

História das organizações

A história das grandes empresas tem início no período de transição que ocorreu a partir da primeira revolução industrial, ocorrida na Inglaterra. Até o século XVIII um produto era produzido, em todas suas etapas, por um único artesão; mas com a invenção da máquina a vapor por James Watt, a indústria começou o seu desenvolvimento. Teve inicio uma ampla divisão de tarefas e o surgimento das maquinas como grande fonte de trabalho; neste período inicial da indústria o trabalhador se encontrava numa situação delicada, pois ainda não contavam com a força dos sindicatos e estava completamente a mercê dos donos do capital. Os trabalhadores eram explorados com jornadas de trabalho gigantescas, remuneração pequena, e nenhuma das vantagens oferecidas atualmente pelas empresas, como plano de saúde por exemplo. Esse modelo que enxerga o funcionário como uma espécie de ferramenta que pode ser facilmente substituída influenciou todo o desenvolvimento da indústria e trouxe implicações que podem ser notadas ainda hoje. Esta influência pode ser notada também em dois modelos importantes que surgiram no início do século XX: o Taylorismo e o Fordismo, que derivam respectivamente dos empreendedores Frederick Taylor e Henry Ford.
Frederick Winslow Taylor (1856 – 1915) valorizou acima de tudo o lucro; no modelo criado por ele o importante era produzir em larga escala e o mais rápido possível; para isso, ele julgou desnecessário que o trabalhador conhecesse todo o processo de produção, ele apenas queria que seus funcionários realizassem com eficiência a etapa do processo que era designada a cada um deles; e era função do gerente planejar a sincronia entre as funções dos operários. Com isso, o trabalho se tornou ainda mais dividido; e o processo criativo do trabalhador estava ameaçado, pois a tendência proposta por Taylor era a da mecanização do trabalhador, que desempenhava na empresa um papel repetitivo e treinado; frustrando muitas vezes a necessidade psicológica do ser humano de se colocar em sua obra; ou seja, a necessidade do trabalhador de inserir sua individualidade na criação do produto. Seguindo uma linha de pensamento semelhante à de Taylor, no começo do século XX, surge o chamado fordismo. A principal novidade implantada por Henry Ford foi à linha de montagem, que acelerou a produção quebrando recordes na quantidade de automóveis produzidos. Na linha de montagem o produto percorre o trajeto de uma esteira e em cada etapa ele recebe o trabalho específico de determinados funcionários; tal modelo é amplamente utilizado atualmente sendo responsável pela produção em massa de diversos produtos. Outras políticas também foram lançadas por Ford, como os bons salários pagos e a política das metas; a gestão extremamente alienatária de Ford objetivava não só produzir trabalhadores qualificados e treinados, mas também produzir consumidores para sua indústria. Essas políticas deram ao indivíduo a oportunidade de crescer na empresa, mas também intensificaram um vinculo que pode ser danoso para o sujeito; a ligação afetiva entre o funcionário e a empresa.
Entre os outros fatores históricos que tiveram contribuições importantes para os rumos tomados pela indústria foram as duas grandes guerras e a crise de 29. No período pós primeira guerra mundial a economia ficou centrada no modelo liberal do EUA; a indústria estadunidense abastecia o mercado europeu e promovia a reconstrução do velho continente. Este modelo tinha influência da idéia de “mão-invisível”, proposta no século XVIII por Adam Smith; este idéia propunha que a economia era capaz de se auto-regular sem a intervenção do estado. Porém, após a reestruturação da Europa os produtos norte-americanos pararam de ser comprados em tão larga escala, e os estoques da empresas estadunidenses começaram a aumentar com a superprodução; este aumento dos produtos em relação à demanda culminou com a quebra da bolsa de valores de New York em 1929, desencadeando a maior crise já enfrentada pelo sistema capitalista. Os índices de desemprego cresceram, a produção diminuiu, e grande parcela dos trabalhadores que continuaram com seus empregos foram obrigados a aceitar redução de salário; este cenário foi decisivo na aparição dos governos totalitários de extrema direita. Os governos totalitários apareceram como solução para muitos países superarem suas crises, e assim figuras como Hitler e Mussolini tiveram a oportunidade de assumir o poder com seus governos nazi-fascistas. Já os EUA, resolveram sua crise com uma série de medidas tomadas pelo presidente Theodore Roosevelt que ficaram conhecidas como New Deal; as medidas consistiam principalmente na retomada de certo controle do estado sobre a economia, sobretudo nos preços e na produção, para evitar um novo acúmulo de estoque. Contudo, a política ofensiva dos países nazi-fascistas acabou levando á um novo desequilíbrio da ordem mundial: a Segunda Guerra Mundial.
Dentre as implicações da segunda guerra está a divisão do mundo em dois grandes blocos econômicos: o bloco liderado pelos Estados Unidos e o bloco liderado pela União Soviética. O crescimento do socialismo apontava para certa fragilização do sistema capitalista, que ao longo dos anos anteriores havia passado por períodos de muita turbulência. Foi nesse contexto que surgiu no Japão o terceiro modelo de gestão; o modelo Toyotista. O modelo toyotista foi uma forma que o Japão encontrou de se reestruturar; o Japão ao contrário dos EUA não possuía grande mercado interno e tinha poucos recursos naturais. O toyotismo se diferenciava do fordismo principalmente por não haver estocagem de produto, tudo era produzido de acordo com a demanda atual de mercado; e, portanto, o produto era finalizado exatamente no momento da entrega; este conceito de produzir somente o necessário é chamado de “Just in time”. Também é característica do toyotismo o multifuncionalização dos funcionários; ao contrário do modelo fordista em que havia uma rígida divisão de tarefas. Para conseguir se estabelecer, o toyotismo foi auxiliado por um amplo investimento em educação feito pelo governo japonês que tornou a mão-de-obra do Japão extremamente qualificada para atender á um dos quesitos fundamentais do toyotismo: a qualidade de seus produtos.

            Crise de identidade e suas implicações

Na atualidade as empresas estão sendo configuradas para atender á necessidade de lançar um olhar para a interculturalidade dentro da empresa e na sociedade em que vivemos; tal interculturalidade originou-se da globalização. A globalização aproximou as diversas culturas do mundo, rompeu com estruturas sociais e permitiu a um cidadão pertencer ao globo terrestre como um todo. O capital ganhou a capacidade de ser facilmente transferido; bem como os profissionais ganharam esta propriedade, e até mesmo as organizações que atualmente tem a capacidade de se transferir por inteiras de uma nação para outra.
Atualmente é possível entrar em contato facilmente com o “diferente”, e até mesmo com o oposto da cultura local; por isso, torna-se necessário que especialistas dêem uma atenção dentro da empresa para o relacionamento entre diferentes funcionários, que necessariamente vêm da inserção em uma cultura, formação moral e/ou religiosa e hábitos. Se por um lado esta diversidade aumenta a qualidade do trabalho, por outro, se não houver diálogo e negociação na empresa estes aspectos podem gerar desentendimento entre os trabalhadores e exclusão. Outra implicação da interculturalidade é a acelerada perda de identidade que o cidadão contemporâneo tem sofrido; os jovens do final do século XX e do século XXI não têm o auxílio das estruturas que organizavam a psique em gerações passadas, como o estado, família e a igreja. Com isso, os indivíduos ganham uma mobilidade maior nos grupos de referência; podendo em certo momento de sua vida pertencer a um grupo e em outro mudar para um grupo diferente. Nesse contexto de falta de uma identidade fixa, as organizações geralmente aparecem como entidade forte capaz de reger e organizar a psique; o funcionário compra a meta e a identidade de sua empresa.   

O ideal imaginário das organizações

Na atual conjuntura da sociedade as organizações estão se estabelecendo no imaginário das pessoas como entidades grandiosas, nobres, perfeitas e capazes de suprir a necessidade humana de completude. O jovem contemporâneo apresenta uma preocupação grande com a perfeição e a busca desenfreada pela verdade e algo que dê sentido a sua vida; esta é sua condição neurótica. Este ambiente é perfeito para que a organização perversa se estabeleça, trazendo a fantasia da organização completa e sem falhas e também favorecendo o consumismo desenfreado, pois os indivíduos contemporâneos estão carregados de uma plenitude insaciável, produto do não reconhecimento das faltas reais do sujeito. O desprazer de se deparar com a incompletude seria tamanho, que membros das organizações e de grupos sociais têm utilizado enfáticos métodos de exclusão para atingir sua superioridade psíquica. É um mecanismo semelhante ao método nazista para atingir sua auto-satisfação; que consiste em subjugar os que estão fora da organização “perfeita”. Os indivíduos que não se adéquam as normas da moda, ou que não tem um bom carro, ou um emprego de status elevado são em geral também subjugados caracterizando a exclusão dos “inadequados”.
Para se sentirem parte desta perfeita organização que está presente no imaginário das pessoas, o indivíduo acaba gastando toda sua energia com o trabalho, que assume uma posição de referência, ultrapassando muitas vezes a família. O plano de metas contribui para dar está determinação do trabalhador em vestir a camisa da empresa, pois à medida que o empregado recebe promoções e premiações, ele se sente reconhecido como fazendo parte do processo engrandecedor da empresa.
A ideologia vigente nas organizações é a da racionalidade e cientificidade. Esta postura tem suas origens na Grécia antiga, quando em um dado momento do desenvolvimento de sua filosofia o corpo foi dividido em cabeça (razão), tronco e coração (sentimento, vontade) e membros inferiores (instintos naturais). No século XVII, René Descartes contribuiu ainda mais para essa visão de valorização da razão ao fazer a separação entre mente e corpo. Assim, o lado místico do desenvolvimento ocidental, que antes se fazia notar na mitologia grega, praticamente se perdeu; e o reflexo disso é que hoje se acredita na transcendência da empresa e que todos os problemas são possíveis de solução operacional. Assim mesmo com tanto progresso tecnológico e cientifico; a civilização não conseguiu resolver os seus problemas; pois a sociedade desvalorizou o equilíbrio entre as funções mentais do ser humano e superestimou o valor da razão. A perversidade proibida na vida singular e bloqueada pela razão se torna possível no vinculo com a organização; o perverso considera que em nome da organização tudo se justifica e tudo existe em função dela.

Laços libidinais e perversão.

A sociedade vem se desenvolvendo e fortalecendo em dois aspectos principais, se por um lado o egoísmo é cada vez mais incentivado pelo modelo capitalista, por outro as formas de perversão e de vazão dos instintos sexuais estão sendo cada vez mais bloqueados pela razão. O ambiente nas grandes empresas não é diferente, totalmente doentio e recheado de falsos moralismos que não acontecem na prática, pois as perversões têm assumido formas cada vez mais discretas e dificilmente notáveis entre os membros de uma empresa.
Os laços libidinais que são tidos na psicanálise como os laços que se originam dos filhos para com seus pais (consistindo para um garoto na figura do pai, que é tomado como ideal; e na da mãe, que é tomada como objeto de desejo), geralmente são transferidos para os chefes na empresa. Esta condição psíquica pode gerar transtornos caso haja um abuso do poder por parte dos chefes; o indivíduo por se sentir preso ao chefe pelos laços libidinais e isto pode conduzir em alguns casos ao assédio sexual. Outro motivo que potencializa as perversões dentro da organização é o temor por ficar desempregado, situação que se constrói no imaginário das pessoas como típica de indivíduos fracassados.
O perverso tem em si a necessidade de desqualificar e rebaixar o outro para poder se sobressair ou manter uma alta auto-estima; estas agressões psíquicas começam com um abuso de poder seja este poder fundamentado no real ou no imaginário. No caso do poder real o perverso utiliza-se de sua condição hierárquica avantajada para cometer o assédio; e no caso do poder imaginário o perverso utiliza-se da construção psíquica de seu poderio, baseando-se nas diferenças étnicas, nas diferenças de gênero e opções sexuais, nas questões culturais, e nos diplomas que possui. O individuo perseguido é acarretado de duvida do que está acontecendo, pois o ataque acontece na maioria das vezes de forma muito discreta, com a negligência dos demais colegas que não participam e com a negação do assédio por parte do agressor; com isso, a vítima acaba levando para si a culpa de estar sofrendo as agressões mentais.    
    
Movimentos de contracultura

O fato de a civilização ter avançado muito em conhecimento, mas continuar tendo graves problemas como a violência, fraude, estupros, fome, desigualdades, solidão, transtornos mentais, vícios, guerras; têm levado diversas pessoas do mundo todo a questionarem a conjuntura da sociedade. Em diversos momentos da historia foram necessárias forças motoras instituintes para repensar a sociedade, contudo muitas vezes essas mudanças ocorreram aos poucos. Um movimento notável na década de 60 e 70 que objetivava uma mudança radical da sociedade foi o movimento hippie; este movimento considerava que o governo, as indústrias, o exército, os valores tradicionais e a moda fazem parte de uma instituição única, que sobrevive na interligação destes diversos setores. Baseando-se no pacifismo, os hippies apoiavam o anarquismo e os ideais de comunidades igualitárias. Traziam do extremo oriente diversos valores religiosos e o uso da meditação como forma de transcender a consciência para muito além do ego. As práticas hippies mais abominadas pela sociedade tradicional são o nudismo e o uso da maconha, que segundo os hippies era capaz de promover a libertação da mente. Além dos hippies, podemos notar a expansão de tradições como o Zen-budismo e a busca pelo misticismo efetuada por diversos ocidentais, como o psicólogo Carl Jung que estudou profundamente o ocultismo em diversas culturas.    

Thursday, June 14, 2012

Tratados sobre a sexualidade no ocidente


Tenho a intenção de trazer nesse texto uma reflexão sobre o desenvolvimento da sexualidade contemporânea e discutir a veracidade de nossas crenças a respeito dos impulsos sexuais. Inicialmente a sexualidade é principalmente tudo que diferencia o que é masculino do que é feminino; estes dois pares de opostos regem o comportamento dos seres vivos e ambos fazem parte da vida de qualquer pessoa, independentemente de ser ela biologicamente mulher ou homem. Impossível falar sobre a sexualidade sem trazer a mente do leitor os resquícios dos ensinamentos e proibições da igreja católica na idade média e a revolução causada após a teoria psicanalítica de Sigmund Freud. Durante a era feudal a sexualidade era mais mito do que nunca, não se falava sobre o que ocorria entre as quatro paredes de um quarto. Nesses tempos remotos da humanidade, qualquer prática sexual que não visasse à procriação era considerada pecado. A única posição permitida era a da mulher deitada de bruços com o homem sobre ela, pois segundo os missionários essa posição estava de acordo com os ensinamentos do apóstolo Paulo que diziam que as esposas deveriam ser submissas aos seus maridos. Nessas circunstâncias de controle ao extremo das práticas sexuais quem se dava bem era o senhor feudal, que além de ter o direito de colocar cinto de castidade em sua esposa, podia tomar para si qualquer mulher do feudo durante a primeira noite do casamento. Outras práticas que foram completamente abominadas durante estes períodos no Ocidente foram à homossexualidade e a prostituição. Um fato curioso sobre a prostituição foi que o Papa Clemente II durante o século XI determinou que as prostitutas devessem dar metade dos lucros a igreja, ou seja, nota-se um possível interesse por parte da igreja de manter a sexualidade no nível de tabu. Estão montadas então as raízes dos tabus sexuais contemporâneos; vamos falar um pouco então do famoso psiquiatra vienense responsável por desconstruir concepções antigas, mas também por trazer novos conceitos bastante questionáveis. Sigmund Freud trouxe ao lado dos seus estudos sobre as neuroses um conceito bastante ampliado de perversões. Perversão é o investimento sexual fora das normas da civilização, portanto as perversões variam de uma época para outra. Notadamente para Freud todas as pessoas têm um grau de perversão, pois para ele a sexualidade tem seus objetos e alvos sexuais variando durante as diferentes fases do desenvolvimento da sexualidade. Um exemplo claro disso é que para ele a sexualidade passa por uma fase oral, uma fase anal e outra genital. Na primeira fase o desejo e o prazer estão centrados na ingestão de alimentos, no sugar o leite materno, e no chupar o dedo por exemplo. Na fase anal, a sexualidade está centrada nos excrementos, ou qualquer coisa que faça alusão às fezes; tanto é que o asco as fezes só aparece mais tarde devido aos ensinamentos dos pais. E finalmente vem a fase genital ou fálica onde o centro do prazer passa a ser o órgão genital. Já o objeto sexual inicialmente sempre é a mãe, mas após certos processos do desenvolvimento sexual que não cabe elucidar aqui passa a ser no caso das meninas o pai. É ao pai que uma pequena garota quer agradar na infância; essa mudança de postura em relação ao objeto de desejo (característico do famoso complexo de Édipo) demonstra mais uma vez o caráter bissexual dos seres humanos. Foi assim que Freud chocou a sociedade da época ao trazer a tona questões como à sexualidade infantil e a uma possível natureza bissexual. Contudo, nem tudo foram flores na sociedade psicanalítica de Freud, pois ele se mostrou bastante inflexível com seus discípulos; por isso, famosos discípulos como Adler e Jung, por exemplo, acabaram tomando outros rumos em seus estudos. E a queixa era sempre a mesma: a ênfase exacerbada que Sigmund Freud dava nos impulsos sexuais. Enquanto Freud considerava os impulsos sexuais como fator crucial para se entender as relações sociais, seu discípulo Alfred Adler, considerava que as relações sociais é que são fundamentais, e, portanto, são elas que determinam o comportamento sexual. Em “O mal-estar na civilização” Freud diz que a vida em sociedade exige do indivíduo o sacrifício de abrir mão de suas pulsões, sobretudo da agressividade e da sexualidade. Isso nos remete aos gregos que em um dado ponto do desenvolvimento de sua filosofia, dividiram o corpo em: razão (cabeça), vontade e sentimento (coração e tronco) e instintos naturais (membros inferiores). A partir dessa divisão é que a filosofia grega foi convergindo para o que hoje podemos chamar de cultura ocidental; a parte oriental da cultura grega foi se dispersando e perdendo forças, sobretudo a parte mística e mitológica. A alma sem duvidas estava mais associada à razão (cabeça) e, portanto como função superior deveria se firmar sobre o corpo, que seria comandado pelo que há de mais primitivo no homem. Essas particularidades do modo de pensar ocidental e também da teoria psicanalítica são enraizadas de tal maneira na mente humana que dificilmente serão retiradas de lá. Enfatizo que mesmo discordando da visão ocidental, ela está lá, dentro de cada um de nós ocidentais. A proposta da psicanálise talvez fosse de desconstruir concepções, mas ela cai num conflito insolúvel ao querer generalizar a natureza humana. o que será a natureza humana? O homem é tão versátil que é absurdamente difícil definir sua natureza, logo esses conceitos sempre devem ser revistos para um aprimoramento do entendimento sobre o ser humano.

Tuesday, June 12, 2012

O silêncio e as palavras


Vivre sa Vie, por Jean-Luc Godard

Diálogo entre Nana, a prostituta, e um homem que conhece no bar.


_ É engraçado. De repente não sei o que dizer; isso acontece muito comigo. Eu sei o que quero dizer, eu reflito sobre o que quero dizer, mas no momento de dizer eu não consigo.
_ Sim, claro. Você leu Os Três Mosqueteiros?
_ Não. Eu vi o filme. Por quê?
_  Porque nele, Porthos_ isso se passa na verdade no Vinte Anos Depois_ Porthos, o grande, o forte, um pouco besta_ ele nunca pensou em sua vida, compreende?_ Então, uma vez ele tem de implantar uma bomba numa adega para explodi-la. Ele o faz. Ele coloca a bomba, acendê-a e sai correndo, naturalmente. Mas de golpe, ele começa a pensar. Ele pensa o quê? Ele se pergunta como pode colocar um pé após o outro... Você já deve ter pensado sobre isso também. E então ele para de correr. Ele não pode mais, não pode avançar. Tudo explode, a adega cai sobre ele, que a segura sobre os ombros_ ele é forte_ mas depois de um dia, ou dois, ele cede, e morre. A primeira vez que ele pensa, ele morre.
_ Por que me conta essa história?
_ Sem razão, só por falar.
_ E por que a gente precisa sempre falar? Muitas vezes devíamos nos calar, viver em silêncio. Quanto mais se fala, menos as palavras significam.
_ Talvez, mas como se pode?
_ Eu não sei.
_ Eu acho que não podemos viver sem falar.
_ Então é isso; eu gostaria de viver sem falar.
_ Sim. Isso seria bom, não? É como se não amássemos mais. Mas não é possível, nunca vai ser.
_ Mas por quê? As palavras deviam exprimir exatamente o que queremos dizer. Elas nos traem?
_ Mas nós as traímos também. Nós devíamos poder dizer o que queremos como já foi feito com a boa escrita... É mesmo extraordinário que um homem como Platão a gente possa ainda compreender_ a gente compreende. Ainda assim ele escreve em grego, há 2500 anos. Ninguém realmente sabe a língua daquela época, ao menos exatamente, mas ainda assim passa alguma coisa, então nós devemos poder nos expressar. E nós precisamos.
_ E por que devemos nos exprimir? Para nos compreender?
_ Nós precisamos pensar, e para pensar é preciso falar... Não há outro jeito de pensar. E para se comunicar é preciso falar; é a vida.
_ Sim, mas ao mesmo tempo é muito difícil. Eu acho que a vida deveria ser fácil. Você sabe, a sua história dos Três Mosqueteiros pode ser muito boa, mas é terrível.
_ Sim, mas é uma indicação. Eu acredito que aprendemos a falar bem quando renunciamos à vida por algum tempo. É quase... O preço.
_ Então, falar é mortal?
_ Falar é quase uma ressurreição em relação à vida: quando falamos é uma outra vida de quando não falamos. Então, para viver falando, deve-se passar pela morte da vida sem falar. Eu talvez não esteja sendo claro, mas há uma certa regra ascética que te impede de falar bem até olharmos a vida com desapego.
_ Mas não se pode viver a vida com... Eu não sei!
_ Sim, mas nós balançamos. É por que isso que devemos passar do silêncio às palavras... Nós balançamos entre os dois porque é o movimento da vida. Da vida cotidiana nós elevamos a uma vida que chamamos de superior: é a vida do pensamento. Mas essa vida pressupõe a morte da vida cotidiana, a vida demais elementar.
_ Mas então pensar e falar se parecem?
_ Eu acredito. Platão o disse_ é uma idéia antiga: nós não podemos distinguir do pensamento o que é pensamento e as palavras que o exprimem, pois analisando a consciência você não consegue separar o momento de pensar das palavras.
_ Falando, então, a gente arrisca mentir?
_ Sim, porque mentiras são também parte da nossa busca. Há pouca diferença entre erro e mentira. Não quero dizer mentiras comuns como "eu prometo ir amanhã", mas não vou porque não queria. Entende? Esses são truques , mas uma mentira sutil é pouco distante de um erro. A gente procura, mas não consegue achar as palavras certas. É por isso que você não conseguia saber o que ia dizer; você tinha medo de não achar a palavra certa. Eu acho que é isso.
_ Sim, mas como ter certeza de ter encontrado a palavra certa?
_ Deve-se trabalhar. É necessário um esforço. Deve-se falar num modo que é certo, que não machuque, que diga o que há pra ser dito, que faça o que tem de fazer... Sem machucar, nem ferir.
_ Sim, um deve tentar ser de boa fé. Uma vez alguém me disse que a verdade estava em tudo, mesmo no erro.
_ Isso é verdade. Não foi visto na França do século XVII; eles achavam que podiam evitar o erro e ainda mais que isso, que se podia viver na verdade diretamente. Creio que não seja possível. Por isso há Kant, Hegel, a filosofia alemã: para nos conduzir à vida, e nos fazer ver que devemos passar pelo erro para chegar à verdade.
_ O que pensa do amor?
_ O corpo tinha de chegar nisto. Leibnitz introduzir o contingente. Verdades contingentes e verdades necessárias fazem a vida cotidiana. Aos poucos chegamos na filosofia alemã onde pensamos na vida, com os erros da vida, com as servitudes da vida. E se deve lidar com isso, é verdade.
_ O amor não deve ser a única verdade?
_ Mas para isso o amor deveria ser sempre verdadeiro. Você conhece alguém que sabe de cara quem ele ama? Não é verdade. Quando você tem vinte anos você não sabe o que ama. Você sabe migalhas, agarra-se apenas às suas experiências. E quando você diz "eu amo isso" é sempre uma mistura. Mas para ser constituído inteiramente daquilo que se ama, é preciso a maturidade. Isso significa buscar... E essa é a verdade da vida. É por isso que o amor é uma solução, na condição que seja verdadeiro.

Tuesday, June 5, 2012

Arte literária e Psicologia Analítica

Texto retirado de http://mundoarquetipico.blogspot.com.br/2010/06/arte-literaria-e-psicologia-analitica_8848.html, as 17:50 de 05/06/2012.

Arte literária e Psicologia Analítica


Jung aborda a relação entre Obra de arte e Psicologia Analítica numa palestra proferida em Zurique, na Sociedade de Língua e Literatura Alemã, no ano de 1922 e em 1930 com o prefácio “Psicologia e Poesia”. Num dos poucos escritos sobre o tema, Jung comenta a relação da psicologia com a obra de arte poética afirmando que embora a arte seja proveniente de causas psicológicas, como toda atividade humana, apenas o processo criativo é relevante para a psicologia. . Em momento algum, Jung nega a interação recíproca que existe entre obra de arte e homem criador, mas deixa claro que não se explicam mutuamente. Obra de arte e neurose não estão no mesmo patamar.

“A psicologia específica do artista constitui um assunto coletivo e não pessoal. Isso, porque a arte, nele é inata como um instinto que dele se apodera, fazendo-o seu instrumento. Em última instância, o que nele quer não é ele mesmo enquanto homem pessoal, mas a obra de arte. Enquanto pessoa tem seus humores, caprichos e metas egoístas; mas enquanto artista ele é, no mais alto sentido, “homem”, e homem coletivo, portador e plasmador da alma inconsciente e ativa da humanidade.”

Em 1930, Jung sugere dois tipos de processos criativos: o psicológico e o visionário. O primeiro é um processo de criação consciente, onde a o autor participa ativamente da construção de sua obra e dirige conscientemente o processo. As obras originadas desse processo teriam pouca importância para o psicólogo já que seus conteúdos se movimentam dentro dos limites da consciência humana. Uma “fúria divina” marca o segundo processo de criação, denominado por Jung de visionário, onde o autor da obra artística estaria sob a influência energética de um complexo autônomo, definido por ele como “uma porção independente da psique que leva uma vida própria fora da hierarquia da consciência”

Toda constelação de complexos implica num estado perturbado de consciência. Quando um complexo é ativado, podemos sentir imediatamente alterações de memória, no ritmo cardíaco, sudorese, distúrbios nos intestinos, podemos perder o equilíbrio, sentir tonteiras, ter atos falhos, enfim, a consciência perde seu domínio por alguns instantes. Há uma estranheza em nossas, palavras, atitudes e sensações somáticas. O nosso corpo não funciona da mesma maneira, o ritmo muda. Um corpo diferente se apresenta revelado pela atuação do complexo, como se tivesse um corpo próprio. O Ego não é mais senhor em sua própria casa. Por isso, Jung diz que o complexo forma uma pequena personalidade, apresentando uma espécie de corpo próprio na condição de uma personalidade parcial. O fenômeno da dissociação psíquica acontece tanto nas neuroses quanto nas psicoses e não necessariamente deve ser encarada como patologia. A psique tem a possibilidade de dissociação, sendo a unidade da consciência uma mera ilusão.

No caso do complexo autônomo a consciência encontra-se passiva e por isso a sensação de estranheza quando estamos sobre o seu efeito e podemos sentir que não somos nós atuando naquele momento. Em alguns processos criativos essa sensação aparece em primeiro plano. Em relatos de psicografia isso é muito presente e o médium sente “um outro” que está presente e atuando naquele momento, tanto que o termo que relaciona-se ao fenômeno mediúnico é “dar passividade”. No processo criativo visionário de Jung, o artista estaria numa posição semelhante a do “médium”, entretanto os conteúdos são seus, do seu próprio psiquismo, o que marcaria não um fenômeno mediúnico, mas anímico, da própria alma do autor da obra.

Como exemplo desse processo criativo visionário, podemos olhar para o próprio processo criativo de Jung que originou o “Sete Sermões dos Mortos”, como ele nos conta em “Memórias, Sonhos e Reflexões”, num capítulo intitulado “Confronto com o Inconsciente”.

Após a ruptura com Freud, começou a anotar suas fantasias e seguiu-se um período intenso de sonhos e visões, onde Jung entrou em contato com um grande fluxo de imagens interiores. As fantasias e as condições psíquicas sob as quais apareciam eram anotadas por ele. Temia perder o autocontrole e tornar-se presa fácil ao fascínio de tais imagens. Numa tentativa de assimilação, pela vivência de tais conteúdos, apesar de seus temores, experimentou o que mais tarde denominou Imaginação Ativa, onde os complexos aparecem personificados. Em sua fantasia surgiu em primeiro lugar a imagem de uma cratera e sentiu como se estivesse no país dos mortos. Ao pé de um muro alto rochoso apareceram duas figuras: Elías e Salomé que afirmavam estar ligados por toda eternidade e junto com eles tinha uma serpente negra. Em outro momento, a partir de Elias, Filemon lhe aparece para mais adiante aparecer outro personagem, que Jung denominou ka. Redigindo a respeito dessas experiências, colocou em sua mente a pergunta sobre o que estava fazendo e resposta lhe veio como uma voz interior: “O que fazes é arte”.

Foi em 1916 que sentiu um impulso incoercível de exprimir e formular os “Septem Sermones ad Mortuos”, assinando com o pseudônimo Basílides. Falando dessa experiência, Jung disse que tudo começou com uma espécie de inquietação semelhante ao que ele descreve como processo visionário de criação. Assim descreve esse momento:

“As palavras puseram-se então a fluir espontaneamente e em três noites a coisa estava escrita. Mal eu começara a escrever, toda a corte de espíritos desvaneceu-se. A fantasmagoria terminara. A sala tornou-se tranqüila, a atmosfera pura, até a noite seguinte. A tensão voltou menos intensa e tudo ocorreu da mesma forma. Isto foi em 1916”

Como vimos, o processo visionário de criação sugere um estado em que a consciência se encontra rebaixada e por isso os conteúdos do inconsciente encontram caminho livre para sua expressão. O inconsciente se impõe e a consciência fica distante do desenvolvimento da obra. O rebaixamento do nível de consciência consiste no que Janet denominou “abaissement du niveau mental”, onde o tônus da consciência se desfaz ou reduz, ao ponto de não exercer controle sobre formações psíquicas que irrompem na consciência. A imagem que brota do processo criativo tem um valor simbólico, já que ela é mais do que aparenta ser, sendo a melhor expressão de algo que ainda é desconhecido e cuja origem não deve ser procurada no inconsciente pessoal do autor.

Há então uma espécie de dualidade, onde por um lado o artista é um ser humano com uma vida pessoal e por outro é um processo criativo impessoal. Essa impessoalidade da arte estaria no fato de o processo artístico visionário ser originado de uma espécie de possessão, uma força que domina o artista e o faz mero instrumento de materialização da arte.

Como Jung não vai se preocupar com o significado da obra de arte e sim do processo criativo, a questão do sentido torna-se secundária em seus textos a esse respeito. Mas o que a arte realmente significa? Jung se faz essa pergunta e responde:

“Talvez a arte nada “signifique” e não tenha nenhum “sentido”, pelo menos não como falamos aqui sobre sentido. Talvez ela seja como a natureza que simplesmente é e não “significa”. Será que “significação” é necessariamente mais do que simples interpretação, que “imagina mais do que nela existe” por causa da necessidade de um intelecto faminto de sentido? Poder-se-ia dizer que arte é beleza e nisso ela se realiza e se basta por si mesma. Ela não precisa ter sentido. A pergunta do sentido nada tem a ver com a arte.”

Jung diz para não nos importarmos com o conteúdo da obra, mas com o processo criativo. Entretanto a reflexão sobre o conteúdo está no centro da questão entre o psicológico e o visionário, já que não existe a possibilidade de uma manifestação arquetípica pura porque o arquétipo em si mesmo é irrepresentável. Devido a isso, toda obra criativa possui algo de pessoal e suprapessoal e o processo de criação acontece na oscilação entre os dois pólos descritos por Jung: psicológico e o visionário. Estar a consciência totalmente passiva seria considerar a “morte do autor” que seria a ausência em um romance da personalidade daquele que escreveu.

Luigi Pareyson, em “Os Problemas da Estética” aborda a questão da pessoalidade e impessoalidade da arte. Considerando as duas posições ele propõe uma terceira dizendo:

“Certamente a arte contém o espírito do tempo, a voz de um povo, a expressão de um grupo, mas isso tudo contém refratado na singularíssima espiritualidade de uma pessoa porque o homem nada pensa, cumpre ou faz, a não ser pessoalmente. No mundo humano, qualquer manifestação coletiva é sempre ao mesmo tempo pessoal”

Apesar de Pareyson não se referir a conteúdos do inconsciente coletivo, sua posição é relevante para pensar que tudo que se manifesta no homem e por ele se expressa traz a marca da pessoalidade. O fato da obra ter vontade independente, uma interna finalidade, uma teleologia que oriente seu desenvolvimento, onde o artista obedece um impulso interno que o orienta na consecução da obra, não quer dizer que o artista perca a iniciativa, ficando reduzido a mero expectador. Haverá sempre uma dialética entre autor e obra.

“O artista não é nunca tão criador como quando, na sua atividade, se recorta a independência da forma, como quando a obra lhe impõe a sua própria vontade, no ato de ser produzida por ele, porque então torna-se evidente que ele, verdadeiramente, “criou”, isto é, produziu alguma coisa de vivo e autônomo, que se destaca dele e está em condição de viver por conta própria. O sinal mais evidente da criatividade é o fato de a iniciativa do artista culminar na autonomia da obra”

Continuando citando Pareyson por ser importante para o desenvolvimento do raciocínio, ele diz mais adiante:

“Na verdadeira arte, a inspiração nunca é tão determinante que reduza a atividade do artista a numa obediência, e o trabalho é tão custoso que suprima toda espontaneidade; e o que caracteriza o processo artístico é a adequação entre espera e descoberta, entre tentativa e êxito, quer esta adequação seja lenta e difícil, quer fácil e imediata”

Nesse sentido a voz do autor é e não a sua. Inspiração é uma idéia antiga, utilizada para descrever o estado em que os poetas e outros artistas se encontram no processo criativo. Mesmo no senso comum, quando precisamos nos referir a momentos de criação ou de insights dizemos “estar inspirado”. Inspiração nos aponta para um estado não comum onde há uma estranheza, uma surpresa, uma invenção, algo novo surge e por isso dizemo-nos “inspirados”. Gustavo Barcellos em seu livro “Vôos e Raizes” define inspiração como algo que vai além do controle do poeta, “diríamos do controle do ego”, como algo que vem de “fora” e esse “fora” é chamado de inconsciente. Como disse, a voz do autor é e não é a sua.

Ana Cristina Abdo Curi / anac333@gmail.com