Desde muito cedo C.G. Jung se interessou pelo tema da religião em toda sua amplitude, e sua obra constitui além de uma importante teoria psicológica (a psicologia analítica), um verdadeiro tratado sobre a religião. E foi exatamente por esse motivo, que desde que eu ouvi falar em Jung pela primeira vez esse autor me interessou bastante. Em especial, devido a audaciosa proposta de Jung de abranger o total da religião, e de identificar os aspectos psicológicos que estão ali presentes. E para esta tarefa, a premissa de um Inconsciente Coletivo caiu como uma luva. Sendo a religião a expressão de uma coletividade, a ideia de Jung é a de que ao analisar uma obra religiosa, ele estaria analisando também a estrutura da mente das pessoas, uma vez que existem registros que se repetem no inconsciente de pessoas diferentes nas mais diversas culturas. Esses registros se repetem porque se assentam em arquétipos, que são, por assim dizer, fôrmas nas quais se estruturam o Inconsciente. Como a ideia de redenção, de herói, de Deus Pai, de Mãe Natureza, de Extraterrestres, etc.
A partir da ideia de que existem essas fôrmas, os arquétipos, Jung parte para se aprofundar no que seria sua grande fascinação: A Religião oriental. E é exatamente por esta fascinação, que trago aqui uma auto-análise da relevância deste tema para mim enquanto pessoa. Minhas reflexões e conclusões são semelhantes as que Jung chega a partir dessa investigação. Os princípios da não-violência, do deixar fluir, e o buscar respostas dentro de mim mesmo são características da religião oriental que já há alguns anos tem orientado minhas ações. Não só para Jung, como para muitos outros autores, a diferença entre Ocidente e Oriente está em uma diferença de atitude: extroversão x introversão. O Ocidente se orienta pelo mundo exterior, e o Oriente pelo mundo interior. Dito bem resumidamente, é isto. Sendo Jung um psicoterapeuta, e como tal, valorizava o "olhar para dentro", ele sempre reconheceu o valor do Oriente, e até mesmo sua superioridade espiritual em relação ao Ocidente. No entanto, após uma viagem para a Índía, têm-se a impressão de que Jung toma outro rumo em suas ideias, e é exatamente essa reviravolta que tem importância para mim nesse momento. Jung volta da India dizendo que há muita coisa que o Ocidente deve aprender com o Oriente, mas que não deve imita-lo. Ele aconselha o homem ocidental a buscar sua própria via espiritual, dizendo que há uma diferença estrutural entre o homem ocidental e oriental. Estaria Jung abolindo tudo que ele havia dito anteriormente?
A resposta é não. Ele não estava abolindo, mas aprofundando. A única questão que ele de fato mudara de opinião era a respeito do homem ocidental "comum" se apropriar da religião oriental. Muitas vezes isso se dá de forma neurótica. Sendo a pessoa ocidental voltada para o exterior, o perigo que se tem, é o de ela tentar repetir apenas a exterioridade das práticas orientais. Esse risco é alto, por mais que a pessoa pense que está indo na essência do que é oriental, toda sua cultura e suas raízes estão fincados no ocidente, e isto tem de ser respeitado. O fato é que a globalização aproximou culturas muito diferentes, e agora temos de lidar com isto. Nesse processo de miscigenação, temos alguns resultados bastante interessantes como a Yoga por exemplo, que encontrou expressão significativa na pessoa ocidental. Mas a maioria das práticas orientais ainda não foi circunscrita pela cultura ocidental. Escolher correr o risco de estar se auto-enganando, é uma questão individual, que o ocidental que pretende mergulhar no Oriente abraça. Mas o que Jung nos ensina após essa reviravolta no seu pensamento é que as riquezas que o Oriente encontrou lá no fundo da alma humana, nós ocidentais também podemos encontrar ao nosso modo. Aprendemos com eles, mas não precisamos imita-los. O que é meditação? O que é equilibrar o Yin e o Yang? Precisamos seguir uma tradição oriental para fazermos isso? ou podemos fazê-lo simplesmente ouvindo uma boa música, indo a uma sessão de psicanálise, vendo o pôr-do-sol no mar, ou através de uma caminhada no parque?
Grande reflexão, e uma que já fiz algumas vezes também. Para complementar, vale a leitura dos livros de Shusaku Endo, que tratam bastante desse tema, em especial "Deep River", que trata da viagem de 6 pessoas para a Índia e suas conclusões acerca da cultura do povo. Também "Silêncio", que está sendo filmado por Martin Scorsese para ser lançado em 2016, que trata bastante das controvérsias vividas por cristãos japoneses. Apesar do Endo ser declaradamente católico, suas ideias são pouco tendenciosas e muito interessantes.
ReplyDeleteTambém é interessante a leitura de Shogun, ou assistir a mini série, que é antiga mas respeita bastante o enredo do livro, que é sensacional. Trata da história de um inglês que pretendia levar o domínio inglês ao Japão, e acaba por ter que conviver entre aquele povo.
Outra coisa vini: o inverso também se aplica. Orientais que tentam viver de forma ocidental são mais raros que o oposto, mas existem e passam por conflitos semelhantes. Inclusive o Japão e a Coréia do sul modernos tem muitos exemplos disso.
Só mais uma coisa...Vc sabe que não foi nem um pouco claro nesse final ae né? XD e outra coisa: será que é IMPOSSÍVEL para um homem ocidental alcançar uma mentalidade oriental ou vice-versa? Ou meramente improvável?
Fiquei bastante interessado por esses livros e filmes que você citou, e com certeza vou ter que ver esse do Martin Scorcese, porque né... é o Martin Scorcese!
DeleteO inverso tb se aplica, e muito. Especialmente aos orientais que vieram morar aqui.Ta tudo misturado, conheci uns Indianos que trabalhavam com meu pai, e mano, eles eram capitalistas demais.
Pois é, o final faltou discorrer sobre. Não queria deixar o texto longo demais. Mas o que eu quis dizer foi o seguinte: Se nós temos a arte, a própria psicologia do inconsciente, a música, terapias holísticas, e livros como a Cabana (que dentro do próprio Cristianismo, também parece ter descoberto o famoso estado da contemplação)... se nós temos tudo isto... então nós temos as vias de acesso para o estados de consciência que os orientais se referem. E quanto a nossa religião... provavelmente ela ainda tem jeito de ser um bom ponto de equilíbrio da pessoa contemporânea, mas terá que aceitar as reformas.
Na época que Jung escrevera sobre essas coisas era 1920,1930,1940, 1950. Cara, acho que atualmente é improvável até que o oriental alcançe uma mentalidade oriental kkk Como diria a banda hammstein " We're all living in America" kkk
Rammstein**** kkkkkkkkkkk
ReplyDeleteMas isso do mundo contemporâneo é uma discussão interessante também! Tipo, vc acha que estamos realmente indo "na direção errada", por assim dizer, se o objetivo for o estado de contemplação tão vivido no orientalismo? É que costumo ter aversão a essas frases tipo "Antigamente era melhor", pq se fala isso desde sempre, então me parece que esse "antigamente" é sempre uma utopia XD
Mas claro que eventualmente pode ser verdade, e nesse caso nunca tinha parado pra pensar nisso, até pq acho a "evolução" da cultura atual muito interessante, mesmo que talvez leve a muitos problemas de ansiedade e depressão.
kkkkk Rammstein* Malz
ReplyDeleteTo contigo nessa, não acho de forma alguma que antigamente fosse melhor... nem que os orientais fossem melhores... e nem que estamos indo na direção errada. Pelo contrário, como eu tava dizendo, agora temos os meios para chegar ao estado de contemplação aqui no ocidente. E esses meios não são meramente técnicas. É preciso mais do que técnica. Nós aqui do ocidente, somos os mestres da técnica, dominamos as técnicas, mas as técnicas também nos dominam. Pra não pirar, tem que parar um pouco, e como diria Lacan, se perguntar: " O que quero? o que quero de verdade lá no fundo da alma?" Só que nessas paradas (nessas reflexões), é preciso ter cuidado, pra não desconectar ou se soltar demais do resto do bando. É o "viver na sociedade, mas fora dela" de a Cabana.
Qual sua opinião sobre a "evolução" da cultura atual? E o que você pensa sobre esse aumento global dos estados de ansiedade e depressão? Será que eles estão realmente aumentando, ou os diagnósticos é que estão ficando mais rigorosos?
Essa é A questão né cara... Será que realmente as coisas estão aumentando ou nós é que estamos mudando a forma de ver as coisas...
ReplyDeleteSobre essa "Evolução"... Vou pensar e depois respondo XD
Beleza xD
ReplyDeleteEsse tema merece um novo texto.