O que é, em primeiro lugar, uma experiência mística? Percebo, com frequência, que este é um termo deturpado pelo uso em nossa sociedade. Nas palavras de Fritjof Kapra, "Os místicos orientais acham-se vltados para uma experiência direta da realidade, que transcende não apenas o conhecimento intelectual, mas também a percepção sensorial." ( O Tao da física, p.30). E os Upanishads, um dos livros sagrados hindus, diz:
"O que é desprovido de som, tato, forma, imperecível,
Da mesma forma sem sabor, constante, sem aroma,
Sem começo e sem fim, mais elevado que o grande, estável -
Ao discerní-lo, o homem liberta-se da boca da morte."
Os místicos orientais ( O misticismo também é presente na cultura ocidental, mas é acessório e secundário, por isso estarei estabelecendo-o como uma característica predominantemente oriental ) são monistas, isso é: acreditam que todas as coisas são partes de uma mesma realidade última, Brahmin para os hindus, Dharmaboddhi para os budistas, e Tao para os taoístas. Para eles, a realidade está além da conceituação humana, a realidade simplesmente é, e a conceituação e a lógica levam-nos à uma interpretação parcial e incompleta da realidade, de acordo com nossos preconceitos. É um fenômeno comum no pensamento e cultura ocidentais, trocar-se a coisa pela referência que se tem da coisa. Ou seja, ao olharmos para uma cadeira, imediatamente pronunciamos "cadeira" em nosso cérebro, desencadeando diversas relações que esta palavra tem com nossa subjetividade, à partir de experiências anteriores. Dessa maneira, não estamos mais olhando para a cadeira pelo que ela realmente é - e sim pela nossa concepção de cadeira. A experiência mística ocorre quando deixam-se as conceituações, nomenclaturas e formação lógica do mundo para adntrar no mundo da "realidade absoluta", da realidade real.
E o que é, afinal, criação artística? Não ousarei, neste breve texto, adentrar nas confusas conceituações de arte. Deixarei o termo arte para ser abstraído pelo leitor e, se necessário, feita uma pesquisa sobre isto. Aterei-me somente à conceituação de Poiesis, a criação artística. Poiesis, segundo a wikipedia:
"Poïesis é etmologicamente derivado do termo em grego antigo ποιέω, que significa "criar, fazer". Essa palavra, origem de nosso atual "Poesia", foi primeiramente um verbo, uma ação que transforma e continua o mundo. Nem produção técnica nem criação no sentido romântico; a criação poiesica reconcilia o pensamento com matéria e tempo, e o homem com o mundo." - Tradução minha.
A Poiesis consiste não apenas na criação de uma obra artística, mas também na contemplação e interpretação de uma, segundo esta conceituação mais ampla. E, também, independe da obra de arte, mas utiliza-a como meio para alcançar seu fim, que é esta reconciliação proposta. Seria, portanto, a Poiesis uma forma e, talvez, a única forma presente fortemente na cultura ocidental, de se alcançar uma experiência mística, de reunificação com a realidade última do universo, de desracionalização da realidade? Aristóteles, na interpretação mais comum de sua obra A poética, parece nos dizer que a arte, a poesia, é o meio do homem reparar a realidade imperfeita e alcançar a perfeição, ideal sempre buscado pelos gregos. Nesse ponto, pode-se dizer que a meta tanto da experiência mística quanto da arte, nessa conceituação, são o mesmo: alcançar a realidade além desta realidade, a realidade perfeita.
Outro ponto em comum entre os dois conceitos está na maneira de atingí-lo. Tanto em uma quanto na outra, é necessário uma abdicação do pensamento racional. Tanto em uma quanto na outra, a técnica é necessária e o treinamento é indicado, mas nunca é o essencial: tanto a obra artística quanto a experiência mística independem de longos treinamentos para aperfeiçoar a técnica envolvida ( Seja de pintar uma tela, escrever um conto, praticar artes marciais, esgrima ou tiro com arco ), apesar de estes serem recomendados. Ressalto ainda, como semelhança, a quietude geralmente recomendada quando se deseja alcançar ambas as instâncias.
Deixo, por fim, a pergunta no ar. Se for verdade a afirmação de que a Poiesis é uma forma de se atingir uma experiência mística, então podemos enxergar claramente na cultura ocidental diversas experiências de caráter místico, o que contradiria um senso comum à este respeito. O que vocês acham?
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