Tuesday, July 14, 2015

Parte 01

I

Sabe qual é o problema? As pessoas simplesmente não ligam. Quando não odeiam, simplesmente não ligam, não há uma mínima preocupação com o que acontece ao seu redor. Preferem ser indiferentes em seus próprios entendimentos, em sua própria cobiça. Eu sempre gostei de reparar nas pessoas e é incrivelmente verdadeiro como os rostos das pessoas conversam sem, sequer, uma única palavra. O que é engraçado – e algumas vezes, arrepiante – é observar a reação das pessoas quando uma notícia ruim sobrevém, ou quando uma coisa boa acontece inesperadamente. É intenso observar, por exemplo, uma mulher que acaba de saber de sua gravidez quando o médico já havia lhe dito para conformar-se com seu único filho de treze anos, ou então optar pela adoção. E assim, do nada, o médico diz as boas novas deixando-a inacreditavelmente perplexa. Lagrimas saem naturalmente acompanhando um sorriso assustado e nervoso, que logo dá lugar a uma deliciosa gargalhada e gritos de felicidade, junto com abraços, beijos e afagos. É quase mágico. Amedrontador é observar a reação de um estuprador que, friamente, confessa um crime terrível ocorrido há apenas alguns meses. Ele simplesmente se manifesta, contando detalhes horríveis e sujos que ninguém sabia de sua vida, mas seus olhos exibem uma calma inimaginável. Sua respiração é pautada, tranqüila, como se estivesse contando uma história fictícia, como se ele fosse o mocinho. A sua reação é tão terrível que ele deixa suas emoções fluírem naturalmente, e até esboça um sorrisinho de canto de boca, quando fala nos detalhes e pronuncia palavras como “foder”, “amedrontado”, “fraco”, “indefeso”. Parece estar se divertindo, enquanto as poucas pessoas ao seu redor estão simplesmente petrificadas. Ele não repara, mas um deles está chorando, simplesmente derrubado, dolorido até a alma por escutar sua confissão. Mas o mal continua dentro das pessoas e em muitas vezes, disfarçando-se do bem, do politicamente correto. Meu Deus, quantas vezes eu vi o mal disfarçado de liberdade, de preconceito, de diversidade. Você simplesmente olha as pessoas com muita atenção, bem fixamente nos seus olhos ,e por um instante, você percebe qual a realidade da vida: não há no mundo mal maior do que aquele que jaz dentro de todos os homens. 


Mas eu sou um observador; então eu sempre tentei imaginar a minha reação antes de certos fatos acontecerem. Como um otimista, comecei a imaginar quando determinados fatos simplesmente pousam de uma maneira inesperada em nossas vidas, tocando nosso ponto mais fraco, e todas às vezes eu acreditei que as pessoas – mesmo que fossem unicamente as próximas – reagiriam de uma maneira, no mínimo, com um sentimento de assistência. Mas as pessoas – salvo raras exceções – não querem apenas tocar no seu ponto fraco, observar sua reação e ajudá-lo da maneira que for possível. Elas não querem saber o porquê do ponto fraco ou do nosso comportamento conseqüente. 

Não.

Elas simplesmente não ligam. A indiferença destrói tantos com tanta facilidade quanto o ódio. Quantas vezes, quantas vezes meu Deus! Você faz revelações que lhe são muito difíceis e as pessoas te olham de maneira esquisita, sem entender nada do que disse que eram tão importantes que você quase chorou quando estava falando. Elas querem martelar isso em você. Querem fazer com que você se sinta culpado, inferior e miserável; e se deleitam quando observam sua autocomiseração. Elas arrastam você para baixo. A verdade é que é muito mais fácil apontar e rir, ou mesmo ser indiferente, do que usar seu tempo com alguém desconhecido. Então o seu segredo fica lá guardado, na escuridão, trancafiado. Não por falta de um narrador. Mas por falta de alguém que compreenda. E eu vivi tão proximamente a essa podridão moral e espiritual das pessoas, mas convivi também com outras que tinham um dom, uma dádiva: Mesmo não compreendendo, elas faziam questão de estar presente, de escutar seus problemas, de amar quem você realmente é, de amar aquela criança indefesa e inocente que nunca deveria ter dado espaço para aquele adulto miserável. Mas, meu Deus, são tão poucas, tão raras, e às vezes as alguns esperam angustiadas, durante uma vida inteira, por pessoas assim. 

(...) Continua.

2 comments:

  1. Foi vc q escreveu?
    Se sim, quando eu digo q vc deveria escrever mais coisas originais... pq ficou fodástico!
    Quase chorei ;(
    "Elas não querem saber o porque do nosso ponto fraco ou do nosso comportamento consequente" Very good!

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  2. "A indiferença destrói tantos com tanta facilidade quanto o ódio." Se pá mais que o ódio!

    Mitou maninho! Muito bom.

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